PAIXÃO RECOLHIDA
Sobreviveu ao VAR mas corre grande perigo sem o calor das torcidas.
E não adiantam as gravações da algazarra das arquibancadas. Não escondem a falsidade.
Ficam parecendo com aquelas dublagens mal feitas de vovozinha imitando criança na sessão da tarde.
O futebol anda tão sem graça (as notícias mais importantes são as de jogadores testados positivos) que o timaço do Dom Diniz FC ainda não retornou aos treinamentos.
Só volta aos gramados depois da vacina ou quando o rebanho passar.
(Publicação original em 28/09/2019)
COMPRA-SE CEBOLINHA
Que o futebol é apaixonante, todos sabem e concordam. Nos quatro cantos deste mundo esférico como uma bola.
Ainda não se tem certeza é quando o cupido lança a primeira flecha que deflagra o idílio.
Pode ser na maternidade, na plaquinha na porta, com o nome do recém-nascido e o escudo do time do papai.
Ou quando chega o tio que vai ser o boa-praça a levar o futuro torcedor aos estádios.
Com a camisa do adversário.
O interesse pelo ludopédio vai aumentando nos primeiros passos e se o rebento tiver pinta de craque, já troca as fraldas pelo uniforme da escolinha.
Para embalo dos sonhos do neymarzão, assinando contrato com o Barcelona.
O primeiro álbum de figurinhas sela de vez a fidelidade ao esporte preferencial para a vida toda.
Os modismos vão e voltam.
O apego permanece.
Entre os que ainda não foram, um está surfando as maiores ondas na praia virtual.
O garoto sai das quatro linhas e passa a dirigente e dono da pelota e de um time todo.
Com amplos poderes para escolher o nome e o uniforme da equipe. Técnico e os onze craques e pernas de pau que entram na cancha cibernética.
Posição tão desestimulada na vida vivida, como a de juiz pelas progenitoras, não impediu o surgimento da agremiação
Administrada por presidente e dois diretores técnico-executivos, a equipe conseguiu o patrocínio master do maior banco do país e nas mangas do uniforme, ostenta a logo de uma das grandes lojas de eletrodomésticos.
Nas cores monocromáticas do ABC e batizado com o nome de edifício no pé do morro do Tirol, o Dom Diniz FC vinha tendo um baita desempenho para um estreante na liga, até ingressar em fase preocupante. Crise à vista.
Convocado pelos netos sub-7 e sub-5, o avô, torcedor de copa do mundo, comparece ao encontro marcado para tratar de assunto urgente e dos altos negócios do sodalício familiar.
O local e horário não poderiam ser mais adequados.
Um sports bar durante mais uma vitória do Flamengo. Com chopp liberado somente para o cartola senior.
Pelos parvos conhecimentos do mercado da bola, o dirigente máximo ocuparia cargo apenas honorífico se não fosse dele o smartphone das operações.
Aquela reunião traçaria o planejamento estratégico e a trilha a ser seguida sem mais vacilos atávicos.
Compromissos firmados sob testemunho do tiozão e da imensa torcida rubro-negra presente à arena etílica.
A tática adotada não poderia sofrer mudança.
O testado e aprovado 4-3-3.
Convocação de três jogadores top.
Quatro ou cinco estrelas do Flamengo.
Um goleiro pouco frangueiro e um técnico que não se chamasse Vanderley Luxemburgo.
Tudo certo e acertado.
Até o fechamento da janela de negociações antes da rodada do fim de semana.
Escalação completa no print, prestando contas no celular materno.
E o imediato retorno em áudio com a decepção externada na vozinha aflita e suplicante:
-Vovô, você promete que vai comprar Ewerton Cebolinha de novo? Aí eu dou um beijo e um abraço bem grande.
Futebol é pura paixão.