Com nove filhas, outro tanto de genros, netos e bisnetos (que só aumentam), prepara banquetes do dia-a-dia para um batalhão.
Em família que guarda e passa às novas gerações, tradições culinárias, é referência de quituteira.
Receitas, perdeu a conta de quantas espalhou.
Aos 91 anos, viúva, presidente de uma associação de pais e amigos de pessoas com deficiências, vinha respeitando o isolamento social, liderando seu aguerrido time, à distância.
Como tantos outros que por correrem maiores riscos, cuidavam com mais rigor do distanciamento social, conheceu o inimigo, trazido para seu refúgio, por pessoa muito próxima. E querida.
Decidiu enfrentar a maior ameaça à sua saúde, em campo de batalha que escolheu por conhecer bem.
Transformou a casa em uma unidade hospitalar.
Quando uma das médicas assistentes sugeriu uma curta temporada em hospital de verdade, negociou a intensificação dos cuidados domésticos.
Às filhas, foi mais contundente.
Aceitaria qualquer tratamento, com a única exigência de não ter que sair de casa. Lugar que já lhe havia servido de maternidade, tantas vezes.
E para que não restassem dúvidas, declarou-se em pleno controle das faculdades mentais.
Lembrou que para ter seu direito assegurado, se preciso fosse, invocaria os ensinamentos da velha Faculdade do Recife, onde em 1953 foi das poucas mulheres a concluir o curso.
O livre-arbítrio prevaleceu.
Seguiu com disciplina exemplar, as recomendações da ciência e das artes médicas.
Quando já se preparava para o retorno à rotina fora das injeções, decúbitos, horários, termômetro, comprimidos e xaropes, a constatação do comprometimento pulmonar em mais de 50%.
A luta que mal havia acabado, recrudesceu. Mais violenta e perigosa.
Agora, com armas comprimidas em cilindros de oxigênio, protegida por máscaras de astronauta e mobilização limitada ao permitido pela fisioterapia e pelo oxímetro.
A certeza que completaria a dolorosa travessia, contou em orações e assegurou com a fé que nunca faltou.
Entre avanços e recuos, manteve o moral da tropa elevado e para a imensa torcida, nunca deixou de dar esperanças que o jogo terminaria em vitória.
Na calmaria que segue tantas incertezas, no seu riquíssimo livro da vida, mais uma receita (e lição) anotada.
–Esta doença é terrível.
Não bastam os medicamentos e os cuidados médicos.
A gente tem que ir buscar lá dentro, não se sabe bem onde, forças para continuar com vontade de viver.