1 de maio de 2024
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ABZ TRIBUNA DO NORTE / Entrevista Alexandre Herchcovitch 

A edição do Natal Pesando Moda de 2023 teve como mentor Alexandre Herchcovitch. Único brasileiro a figurar como verbete em livros como Fashion Now, entre criadores do nível de Nicolas Ghesquiére (diretor criativo da Louis Vuitton) e Rick Owens, Alexandre propôs o futuro como tema para coleção apresentada em desfile realizado no Museu da Rampa, em Natal. Numa conversa com o jornalista Augusto Bezerril, o mentor conta como foi processo de criativo com as 15 empresas participantes do projeto. Conta sobre o impacto de trabalhar para grande empresas como a potiguar Riachuelo. E revela dicas para novos estilistas. Feliz ano novo, criadores.

ABZ TRIBUNA DO NORTE – Você é conhecido como estilista. Você hoje diz ser estilista, consultor ?

Alexandre Herchcovitch Não, não, eu sou estilista, mesmo. E acabo fazendo trabalho, como o Natal Pensando Moda, de mentoria e consultoria também.

Como você concebe sua mentoria?

Olha, o Natal Pensando Moda tem objetivos bem claros. O Sebrae apoia empresas e estilistas que procuram exatamente essa atualização de mercado para que as empresas estejam sempre atualizadas no que está acontecendo no mercado. Isso é super legal. É um projeto que não é a primeira vez que acontece: já aconteceu com outros estilistas. É um projeto que está sendo retomado. E agora está sendo retomado com minha presença. Eles (Sebrae) tiveram uma conversa com as empresas e as empresas citaram meu nome e eu fui escolhido para fazer esse acompanhamento com 15 empresas. O Natal Pensando Moda sempre tem um tema. Eu propus que eles enxergam uma visão de futuro dos negócios deles no futuro. Nesse processo, cada um escolheu um aspecto do negócio no futuro. Quem é meu cliente daqui a 5 anos? Qual aspecto tecnológico vou colocar na minha roupa ou na minha coleção? Qual preocupação que tenho hoje com sustentabilidade? No primeiro encontro, eu conheci as empresas, os estilistas e empresários e eles me apresentaram as características das empresas. Eu detectei uma ou algumas características interessantes para eles se aprofundarem no desenvolvimento do tema proposto. No segundo encontro, tivemos reunião devolutiva sobre tudo que foi conversado na primeira reunião de mentoria, de modo a seguir o desenvolvimento das coleções.

A pergunta tem um aspecto pessoal. Alguns profissionais deixam a marca muito visível sobre o resultado, há mentores cuja marca fica menos visível. Como você situaria seu trabalho de mentor?

Eu não sou impositivo e tampouco ditatorial. Eu, na verdade, nunca tendo desvirtuar ou mudar característica da empresa através da minha visão. Por que eu acho que eles (gestores da empresas) têm responsabilidade pelas escolhas de objetivos de negócios e nível de mudança e inovações que são implementadas através da minha da minha mentoria. Eu nunca digo coisas do tipo “não faz isso”. Eu nunca dou adjetivos ao trabalho das pessoas, se é feio ou é bonito. Como o Sebrae consultaram as empresas e eu fui indicado, isso que significa que os estilistas e empresários querem minha opinião. Do contrário, eles chamariam outra pessoa. Então, de fato, detecto o que eu acho mais interessante e dou vários inputs. Tipo: você conhece tal tecido? Se a resposta for não, eu promovo a possibilidade de novas possiblidades, por exemplo, de matéria prima. Dentro do processo, eu promovo a possiblidade também de pensar até em novos produtos que não estavam no portfólio da empresa. Por exemplo: uma empresa que só faz roupa feminina propor como desafio desenvolver roupa masculina. Minha mentoria propõe desafios frente às características que as empresas têm como potencial, mas ainda não descobriram e, a partir da minha orientação, tenham um ambiente criativo para desenvolvê-las. Esse é meu processo de mentoria.

Você nasceu na cena da noite paulistana, toca como DJ e tem imagem de festivo. No seu livro Carta A Um Estilista – Moda Como Profissão, você diz que estilista tem que acordar cedo e trabalhar muito. Você menciona também o impacto de trabalhar em grandes companhias industriais. Como sua trajetória contribui para concepção da mentoria?

Eu acho que ajuda por eu ter mais de 30 anos de trabalho, tenho quase 35 anos trabalhando como moda. Além de ter passado por várias experiências. Acho que esse tanto tempo de trabalho me dá segurança de falar com 15 empresas. Acho que ter trabalhado em grandes indústrias e ter começado de maneira pequena, como todo mundo que começa, faz com que o olhe uma empresa muito pequena eu jogo minha cabeça lá para quando eu comecei. Eu me levo a buscar como eu fiz crescer? Como eu cresci? Como eu era naquela etapa? Já quando eu me deparo com uma empresa de porte maior, eu tenho a exata dimensão de estrutura de pessoal, posicionamento firmado mercado e sustentabilidade do negócio. Certa vez um empresário me perguntou se um novo produto seria uma inovação. Eu respondi que a inovação deve ser vista dentro do repertório e história da empresa. Se é novo para seu consumidor, sim, é inovador. Acho que para ter esse grau de neutralidade, tem de ter experiência.

Trazendo para a experiência do Natal Pensando Moda, quais características você detectou como preponderantes entre os criadores ?

A primeira característica que me chamou atenção é um entendimento e uma relação muito íntima com o corpo. Por quê? Porque é uma região onde se cobre muito menos o corpo, isso se dá principalmente pelo aspecto geográfico. Os criadores potiguares entendem bastante do corpo do cliente. Eu enxergo que a situação geográfica fez com que as pessoas se especializassem no olhar e soluções da roupa sobre o corpo. Acho que isso é muito interessante. Outra coisa é uma vontade de o artesanato e cultura local estejam presentes nas criações. Isso vale para escolha de matérias primas, referência de estamparia ou beneficiamento de produto por artesãos locais. Isso é uma característica em comum entre as empresas do Natal Pensando Moda. Poucas delas não tem essa preocupação. Eu não acho que isso deva uma obrigação. Poucas empresários e estilistas dizem “eu já sou daqui” e não precisam colocar uma carga cultural sobre a roupa. Mas há empresários que dizem que já fazem roupas aqui para quem nasceu e vive aqui e, por isso, as criações já tem características do Rio Grande do Norte. Mas a maioria quer colocar um ponto muito forte de identificação local.

Você é um estilista de projeção internacional, já teve loja em Tóquio. Mas nunca teve uma fluência afirmativa tipo verde e amarelo.

Sempre me perguntavam onde é que dava para ver o Brasil nas minhas criações. Eu nasci no Brasil, eu sou brasileiro. Minha produção automaticamente é brasileira. Eu nasci aqui, vivo aqui: nunca morei fora. Eu recebo influências culturais e geográficas do meu país E o resultado da minha produção é de uma produção brasileira.

Para finalizar, qual a dica para um jovem estilista?

A primeira dica é: formalize sua empresa. Registre o nome e a marca, abra um CNPJ. O segundo passo após a formalização da empresa é tentar conciliar o seu trabalho pessoal com sua marca com algum tipo de trabalho em outra empresa de moda. Isso vai fazer o estilista entender se ele precisa ter a própria marca ou se parece mais interessante trabalhar para outra empresa. Acho que isso ajuda o estilista enxergar qual seu rumo na moda.

Fotos Divulgação /SebraeRN

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