ÀS VEZES, É PRECISO CALAR
ALERTA:
O TEXTO A SEGUIR É BASEADO EM FATOS REAIS. OS NOMES DE ALGUMAS PESSOAS FORAM OMITIDOS, DE PROPÓSITO.
Alguns serviços entram em nossas vidas, tornam-se tão necessários e essenciais que deixam aquela pergunta no ar.
Se havia vida inteligente antes deles.
Há apenas cinco anos no Brasil, menos ainda em nossa cidade, é fácil lembrar como se pedia um táxi.
Sabia-se onde era o ponto mais próximo, o número do telefone na memória (do lóbulo pré-frontal do próprio cérebro) e até o nome do motorista de confiança.
O Über chegou revolucionando os costumes e dando oportunidades de trabalho a pessoas desempregadas de profissões mais imprevisíveis.
No começo, as viagens com muitas conversas e as histórias de vida dos chauffers, interessavam.
Recontadas, com uma sensação que a crise não tinha indicador de intensidade mais preciso.
Já pensou, um ex-gerente de banco, um professor ou um engenheiro fazendo trabalho duro, sem nenhum glamour?
Como os relatos não fugiam do script, o assunto repetitivo foi rebaixado à categoria dos chatos.
Nas corridas, o prestador do serviço e seu utente, constrangidos se devem puxar conversa e até dizer o destino, em diálogo de surdos.
Tudo já está on-line, no smartphone.
Mapas, ruas de trânsito mais intenso (carregado, no vocabulário da moça do noticiário da TV), destino final, preço e até gorjeta.
Sem precisar dizer palavra alguma, a não ser o obrigado final. De parte dos mais urbanos.
Agora, em algumas cidades, ao se chamar o transportador autônomo, três perguntas definem como será o deslocamento.
O freguês opta e avisa antes do embarque.
Com, sem ou conversas apenas sobre o estritamente necessário.
Em algumas atividades, a capacidade de falar sobre qualquer e mais alguma coisa, pelos cotovelos, viraram requisitos que indicavam aptidão profissional. Dom de quem nasceu para o ofício.
Um engraxate que não entendesse de tudo e mais um pouco, não lustraria muitos sapatos.
Se bem que o da calçada do Chase Manhattan Bank tenha deixado Mr. Rockfeller com um bug atrás da orelha quando foi perguntado em que ações deveria aplicar suas poupanças.
A conversa acabou em crack da bolsa e ditou a moda das botinas enlameadas.
O vetusto professor de Patologia, homem de poucas palavras e imenso patrimônio cultural, escolheu seu barbeiro não só pela habilidade com tesouras e navalhas. Precisava ser alguém que apertasse a tecla mudo tão logo sentasse em sua cadeira.
Naquele dia, por motivo superior, seria atendido por outro fígaro.
Para não decepcionar o cliente e a falta do titular não fosse notada, esmerou-se nos requififes.
Os cuidados com a colocação do avental e toda a proteção contra os irritantes pelos cortados, foram além do habitual e do tempo esperado.
Quando tudo estava pronto para o início da operação, antes da poda, a pergunta que seria a primeira (e única) de um abortado longo diálogo.
-Como o senhor deseja o corte?
-Calado.