4 de maio de 2024
Política

A FÁBULA DA GRANJA ROUBADA

Mulher com galo novo (1938) – Pablo Picasso – Museu Picasso, Paris

Quando o mais ilustre condenado que este país nunca antes havia visto trancafiado numa sala de comando de uma superintendência de polícia federal, por conta do maior escândalo de corrupção dos últimos 522 anos, teve seu processo anulado, a história foi metaforicamente, passada a limpo.

As eleições de amanhã deverão conferir habeas corpus preventivo a tantos que seguirão o exemplo que vem de cima, com  a garantia  da complacência superior.

Costume antigo. Tradição que se renovava há gerações: se todos faziam e ninguém proibia,  permitido era.

Tempo de lembrar o filósofo da Acrópole de Ipanema, Stanislaw Ponte Preta:

“Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos.”

Os mais respeitados aldeiões, aqueles que se reuniam para ditar as normas da boa convivência, os empreiteiros que abriram veredas e construíram escolas e postos de saúde, até o conselho dos sábios, julgadores dos malfeitos.

Mesmo aqueles escrevinhadores que dão conta da vida dos outros, falando de tudo como se conhecessem profundamente tantos assuntos diversos e aleatórios.

Todos sabiam o que acontecia, e participavam dos rega-bofes.

Uma galinhada atrás da outra.

Sem dono, o galinheiro  coletivo era de todos.

No começo, ocorria só nas vésperas das grandes assembleias que renovavam os mandatos de capatazes e encarregados.

Na festança democrática, gastos muito grandes, natural que os escolhidos para trabalhar pr’os outros, tivessem direito à sua parte.

Quem vendia a produção, arrochava nas quantidades e o que viesse a mais, bancava as despesas das eleições.

O atravessador repassava para os mais ilustres do conselho distribuírem com os outros.

Problema quando pegaram um pé-de-chinelo esbanjando dinheiro como se tivesse uma árvore no quintal, botando notas de dólar.

Revelou que a tramóia  não era só nas festividades, não senhor.

O pessoal foi se acostumando com o bem bom e qualquer motivo era um pra celebrar.

Passou a ser todo mês.

Tão corriqueira, a data esperada ficou conhecida por carinhoso aumentativo: mensalão!

Depois que o gatuno das penosas abriu o bico, pegaram mais gente.

Muita cana e  bufunfa devolvida. Foi longe. O maior tuxaua, encalacrado até a tampa.

O dedo-duro escafedeu-se numa boa.

Ainda ficou com umas boas poedeiras, é o que se comenta.

Até que os homens que podiam botar ordem na bagunça toda descobriram uma filigrana de  erro.

O calabar falou por último.

Não podia.                                                                Estava escrito na caderneta dos direitos e deveres.

Os hômidepreto terminaram de melar o pau do galinheiro.

Agora, ninguém vai saber o que surrupiaram primeiro, os ovos ou as galinhas?

O jeito é  já ir se acostumando com a volta da raposa, que de tão velha e sofrida, pode até ter se livrado do feio vício.

O Galo (1938) – Pablo Picasso – Litogravura do Domaine Picasso

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