3 de maio de 2024
JornalismoLetras

À PROCURA DE NELSON RODRIGUES

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Frieda e Diego Rivera (1931) – Frida Kahlo – Museu de Arte Moderna de São Francisco                                                 (Frieda em espanhol é “Frita; Fritada)

 

A obra imortal, sempre revisitada pelas novas gerações do teatro, cinema e televisão, continua fazendo sucesso. E cartazes.

Considerado o maior dramaturgo brasileiro do século XX, Nelson Rodrigues, falecido há mais de 40 anos, não foi sempre a unanimidade de hoje.

Só a burrice contemporânea explica este óbvio. Agora, tão ululante.

Formado nas redações dos jornais, transformou o trabalho insalubre reservado aos focas, em matéria prima para romances, peças,  contos e crônicas.

Cobrindo o noticiário policial, encontrou personagens que tornou inesquecíveis, no universo onde predominaram as mulheres.

Sofridas, traídas, enigmáticas, desesperadas, sedutoras, vingativas.

As empoderadas também teriam vez se um milagre, obra da ficção científica ou uma máquina do tempo,  o trouxesse de volta ao seu penúltimo endereço. Irineu Marinho, 35.

Seus personagens, como almas penadas, continuam à procura de quem conte suas estórias com a mesma fidelidade que nem sempre mantêm.

Alguém cruel, compreensivo, trágico, sórdido, erótico, santo, profano, sacana.

Casos assíduos em noticiosos, engrossam estatísticas, em relatos burocráticos, desprovidos de paixão e alma.

A mesma matéria prima que o reacionário profeta tricolor soube, com maestria,  extrair do futebol e calçar em chuteiras imortais.

Como a professorinha da periferia de São Paulo que passou pra mais de uma semana percorrendo delegacias, hospitais e necrotérios à procura do companheiro de sete anos, desaparecido poucos dias depois do réveillon que inaugurou a Era da Pandemia.

Sem motivo. Sem explicação.

Não adiantaram as buscas de todos da família. Nem a mobilização dos amigos.

Esgotados os recursos das redes sociais, alguém lembrou que um detetive particular poderia desvendar o mistério.

Se o amado não aparecia, por que o carro,  que ele cuidava com tanto zelo, haveria de sumir?

1984 há muito já ficou para trás, outros big brothers surgiram e há em cada esquina, um insone pardal eletrônico.

Na estrada de São Vicente, praia de verão, de forofeiros e dolce far niente, as câmeras não tiram férias.

A pista, depois das mesmas curvas que levam a Santos, acabou na beira do mar.

De frente para um grupo de casais em animado churrasco.

O enigma,  finalmente decifrado.

O procurado agora é ex-marido, mas o pranto continua.

Por outro motivo.

Melhor se tivesse morrido.

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As duas Fridas (1939) – Frida Kahlo – Museu de Arte Moderna do México
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Meus avós, meus pais e eu (1936) – Frida Kahlo – Museu de Arte Moderna de Nova Iorque

         (Texto original publicado em 18/01/2020)

 

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