À SOMBRA DAS CHUTEIRAS PENDURADAS
De tão forte e representativa, a expressão “pendurar as chuteiras” saiu das quatro linhas do gramado e do esporte, para significar toda interrupção definitiva de atividade profissional.
A origem do termo no universo do futebol é desconhecida mas acredita-se, por tratar de profissão de curta duração e sujeita ainda a abreviação abrupta, por conta de infortúnio ou contusão.
A desistência voluntária ou não, do trabalho formal, por mais planejada, é sempre acompanhada de incertezas.
Saber a hora de parar é dilema que para ser decidido, conta com outra analogia vinda dos grandes estádios e campos de várzeas.
Sair no auge da carreira ou depois de uma grande conquista, é o que se recomenda, apesar dos raros exemplos práticos.
Na língua portuguesa, a travessia do Atlântico mudou o significado do ato que os anglo-saxões descrevem como retirada.
Para os portugueses, a saída é reforma. Transformação que significa mudança.
Esperança que a vida vai ser diferente, aperfeiçoada, melhor do que era antes.
No país de Macunaíma e dos berços esplêndidos, aposentadoria, arrancada do Latim, é pouso. Uma parada para repouso.
– Ai, que preguiça!
O aumento da expectativa de vida provoca discussões sobre a prorrogação da longevidade profissional.
Quando o consenso, respeitadas as peculiaridades e culturas dos povos, já estava sendo alcançado, veio a pandemia.
A retirada, a reforma e a pausa para o repouso foram mandatórios, involuntários e não discriminou idades.
O período de provações, cumprido com mais rigor por mais de meio ano, serviu de estágio e amostra das novas relações de trabalho.
Muitas não serão as mesmas. Estima-se que até 40% das pessoas que passaram a trabalhar em casa, continuam em home office. Muitos, cumprindo carga horária híbrida. Outros, remunerados pelo que produzem à distância, sem vigilância, nem controles.
Os noticiários das redes de TV já não são os mesmos de antes.
Comentaristas trocaram de estúdios e nos domésticos, conseguem manter a credibilidade e a audiência.
O aprendizado remoto deu saltos e a velha escola nunca mais foi tão risonha e franca.
A assistência médica também não é mais a de sempre.
A telemedicina ganhou aceitação, conquistou novos espaços e é praticada, esperando novas regulamentações.
Aposentadorias foram apressadas, já sobrecarregando ainda mais os sistemas de previdência, mas quem deixar uma profissão, não vai necessariamente parar de produzir.
Os exemplos são muitos.
O maior vem de longe.
Foi aos 78 anos que o senador aposentado Joe Biden engatou uma nova atividade.
Depois de tropeçar na zebra e botar culpa nos contadores de votos, quem não pensava que Trump iria pendurar seu taco?
De golfe.…
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Quando foi publicado, há dois anos, o texto – que sofreu alterações temporais – refletia o sentimento de quem estava pendurando o beniquê, instrumento de ganha-pão de todo urologista das antigas.
Um ano depois, a reação do neto a uma foto do avô, em rede esplêndida, é a descrição mais fiel dos encostados na previdência social:
– Oi vovô, não fale mal de mim, não.
O nonno havia comentado, carinhosamente, uma postagem do saudável neto, de prato kid raspado, como “esmeril da França’”.
O nipote de seis anos entendeu a analogia, mas recebeu o elogio como crítica, para não respeitar a antiguidade, nem a hierarquia do alto posto familiar.
– Eu estudo. Não sou como você não.
Não trabalha, só lendo jornal.
Vai na fazenda, manda os outros trabalhar.
Numa boa…
Bernard Safran (1924/ 1995) ilustrador norte-americano, pintou retratos realistas e cenas da vida cotidiana em Nova Iorque e da zona rural do Canadá.
Autor de inúmeras capas de livros populares de faroeste e mistério, ficou mais conhecido pelos trabalhos para a revista Time Magazine.