6 de maio de 2024
Comportamento

A VIDA NUMA BOA

Bernard Safran (1924/1995) ilustrador norte-americano, pintou retratos realistas e cenas da vida cotidiana em Nova Iorque.


De tão forte, a expressão saiu das quatro linhas do gramado,  para significar toda interrupção definitiva de atividade profissional.

A origem do termo no universo do futebol é desconhecida,  mas acredita-se, por tratar de profissão de curta duração e sujeita ainda a abreviação abrupta, por conta de infortúnio ou contusão.

A desistência voluntária ou não, do trabalho formal, por mais planejada, é sempre acompanhada de incertezas.

Saber a hora de pendurar as chuteiras  não se ensina na escolinha do futebol.

A travessia do Atlântico mudou o significado do ato trabalhista que os anglo-saxões descrevem como retirada.

Para os portugueses, a saída é reforma.

Transformação, que significa mudança.

Esperança que a vida vai ser diferente, aperfeiçoada, melhor do que era antes.

No país de Macunaíma e dos berços esplêndidos,  aposentadoria, arrancada do Latim, é pouso.

Uma parada para repouso.

Ai, que preguiça!

O aumento da expectativa de vida  provoca discussões sobre a  prorrogação da longevidade profissional.

Quando o consenso, respeitadas as peculiaridades e culturas dos povos, já estava sendo alcançado, veio a pandemia.

A retirada, a reforma e a pausa para o repouso foram mandatórios, involuntários e não discriminou idades.

A tendência é que não só as aposentadorias sejam apressadas, o que sobrecarregará ainda mais os sistemas previdenciários, como quem deixar uma profissão, não vai parar de produzir.

Quando  o autor deste texto, mal havia pendurando o beniquê, instrumento de ganha-pão de todo urologista das antigas, a reação do neto a uma foto do avô, em rede esplêndida, é a descrição mais fiel dos encostados na previdência social:

Oi vovô, não fale mal de mim, não.

O nipote de seis anos não aceitou uma pequena crítica sobre um trabalho escolar adiado, não respeitou a antiguidade, nem a hierarquia do alto posto familiar, para seu comentário insolente:

Eu estudo.

Não sou como você não.

Não trabalha, só lendo jornal.

Vai na fazenda, manda os outros trabalhar.

Numa boa …

Bernard Sefran foi autor de inúmeras capas de livros populares de faroeste e mistério, ficou mais conhecido pelos trabalhos para a revista Time.

 


(Texto, com modificações, publicado em 10/11/2020, com o título De Chuteiras Penduradas)

One thought on “A VIDA NUMA BOA

  • Geraldo Batista de Araújo

    Quem sabe escreve diariamente e alimenta os leitores com textos bem trabalhados. Bom dia a todos

    Resposta

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