2 de maio de 2024
ComportamentoJudiciário

AZAR POÉTICO

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Os Amantes (1928)- René Magritte – museu de Arte Modena de Nova Iorque

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Quando as ordenações e leis de
Portugal foram recopiladas em 1595, por mandado do muito alto católico e poderoso rei Dom Felipe I,  a punição aos adúlteros não mudou muito do Código Manuelino, que determinava as leis na terra dos papagaios, desde que um certo errante navegante, levado pelos ventos a São Miguel do Gostoso, avistou  o pico do Cabugi,

A norma legal resistiu à união, em um só reino, da península ibérica, a todo o período de  colônia, aos governadores gerais e não se alterou nos 13 anos que o sexto João, governou seus impérios d’além mares tropicais.

Pedro, o primeiro filho rebelde, passou o livrinho para o soberano  órfão de pais vivos, e nem a chegada dos militares plebeus ao poder, nada mudou.

Somente em 1916 foi elaborado o primeiro código penal brasileiro.

Até o nascimento dos avós dos sessentões de hoje, traição conjugal  era crime, sujeito à  punição maior de todas.

Mas somente para alguns.

Não era ainda questão, nem ousadia de gênero.

O direito era líquido, certo e conferido aos machistas e misóginos e nada acontecia, se entre quadro paredes, onde ninguém metia a colher. Desde que a prataria fosse da linhagem nobre.

A única cerca intransponível separava as damas e moçoilas da corte, dos reles mortais, plebeus, passíveis de execução, a mando do ultrajado.

Contam que o enganado,  complacente, generoso ou manso, era obrigado a usar enfeites identificadores nos chapéus, não necessariamente, em formato de pontas. Nem artesanais, de couro.

Usos e costumes não desaparecem em meia dúzia de gerações, mas em tempos de tolerância e modernidades, não custa, aliviar a cefaleia, o sofrimento e a carga de quem teve o azar e o destino de ser passado pra trás.

Os adornos não mais ornamentam as testas somente dos cisgêneros binários.

Há imensas  possibilidades que não cabem mais no alfabeto romano, de todas as formas plurais de amar, sem exclusividade, sem segredo.

Nem o  cancioneiro popular, nem os mais modernos anti-inflamatórios não hormonais, foram capazes de erradicar por completo a dor de cotovelo.

Inutilismo à parte, a poesia é o último bastião de esperança e regaço dos que aceitam o amor compartilhado.

A honra não mais será lavada a sangue, nem perdoada nos tribunais androcêntricos.

Mais de quatro séculos depois do persistente mau comportamento, basta que a ideia de um homônimo do antigo rei de Portugal e España  seja aceita, e o assunto será sepultado em cova de mais de sete palmos.

Felipe, o Sales,  príncipe dos poetas de São Rafael do Vale do Assu, emergiu da cidadela afogada, para anunciar em 1 dedo de prosa, em  porcina entrevista, que uma singela frase é capaz de acabar com  todo preconceito e liberar os relacionamentos,  das amarras da monótona monogamia.

Ninguém mais será ridicularizado por continuar com  parceira caída em tentação.

Com sapiência e empatia, os traídos estarão, finalmente,  livres de estigmas e maledicências .

Admitamos, os coitados são, apenas, vítimas.

Eles sofrem infortúnios líricos.

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Os Amantes (1928) – René Magritte – Galeria Nacional da Austrália
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Tempo transfixado (1938) – René Magritte – Instituto de Arte de Chicago
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O filho do homem (1964) -René Magritt – Coleção privada

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