28 de abril de 2024
Coronavírus

BILHETE AO CORAÇÃO DO DOUTORANDO

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Caro doutorando,

Há alguns dias, mandei uma carta pra você. Nesse corre-corre de final de curso, tendo que terminar o TCC (que nem sei bem como é feito; não  havia no meu tempo) e com este furacão da pandemia, deve ter ficado perdida na sua caixa de correio.

Foi um alerta para que você não aceitasse o primeiro emprego, na linha de frente desta guerra cruel.

Vão ser muitas as tentações. Resista.

Não se iluda.

O perigo é real.

É um crime de guerra o que fazem por aí.

Por onde as forças invasoras já passaram, arrasaram  primeiro as equipes dos pelotões da saúde.

Os inimigos não escolhem idade.

Têm predileção pelos médicos com inadequados equipamentos de proteção individual.

Na Itália, recrutaram os aposentados, muitos deles sem vivência no tipo de luta. Mais de 70 tombaram nos primeiros dias. Outro tanto sobrevive em estado crítico.

Nas mesmas UTIs para onde foram designados sem treinamento adequado.

Agora, suas mortes entram nas estatísticas dos idosos. Nunca saberemos quantos foram os heróis inglórios.

Aqui perto, no quase vizinho Equador, o mesmo aconteceu com recém-formados. Sem experiência, lotados em hospitais improvisados, já são muitos os que desistiram da Medicina. Para sempre. Sem direito sequer, a enterros decentes.

2DA0D38E-F11D-49EC-9752-1ADBA57EDFD9Vi que estão apressando a entrega dos seus diplomas.

Não se deixe enganar, eles não vão lhes proteger.

Tudo que eles fazem, é jogar nas suas costas toda a responsabilidade pela precariedade das condições para atender casos para os quais não estão preparados.

Pense bem.

Eles, são os diplomas e quem entregou os diplomas.

Quer ajudar?

Continue como auxiliar.

Mais na retaguarda. Nas triagens.

Nas enfermarias dos que chegam das UTIs.

Mesmo como estagiário.

O médico, não importa quanto tempo de formado, é o responsável pela equipe.

Mais tarde, a Justiça continuará cega. E surda para suas explicações.

Não assuma um serviço com equipamentos novos que nem as enfermeiras mais experientes sabem lidar. Sem acessórios, descalibrados, faltando medicamentos e com ridículos EPIs.

Não aceite fazer as entubações de pacientes contaminados. Vai ser a primeira coisa que vão lhe ensinar. Em manequins que não passam a doença.

Você vai demorar muito mais tempo que os  anestesistas e intensivistas experientes.

O tempo desta  exposição é a principal causa mortis, não anotada nos atestados de óbitos dos colegas. Antigos na Lombardia e novatos em Guayaquil.

Não se iluda com esses elogios que nos fazem nestes momentos de aflição e angústia. São iguais às promessas nas turbulências de avião.

Esquecem logo.

E se as melífluas  palavras vierem de políticos, pior. Na primeira oportunidade de alguma  melhoria para a classe, se escondem.

Ou dizem abertamente que já ganhamos muito bem.

Acrescentam ao mirrado contracheque do emprego público, tudo que conseguimos em plantões noturnos, de fins-de-semana e nas merrecas das consultas e honorários dos planos de saúde.

Pra terminar, vou repetir o que disse na carta que talvez você não tenha  recebido.

Não aceite!

Pelos seus pais idosos.

Pelos colegas que vão ser seus cônjuges.

Pelos filhos ainda não gerados.

Pelos netos que haverão de vir,  para alegrar sua aposentadoria.

Não aceite!

P.S.
Só mais uma coisa:

Não aceite!

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