2 de maio de 2024
Opinião

De como o projeto de um satélite criou a primeira televisão do RN

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Cassiano Arruda Câmara – Tribuna do Norte -23/09/20

Nos 70 anos da televisão no Brasil ninguém se preocupou em contar a história da primeira televisão do Rio Grande do Norte, nas vésperas dela completar 50 anos.

Por que a primeira emissora de televisão do RN foi uma geradora educativa, no Brasil daquele tempo (final dos anos ´60)? Terá sido porque não existia, ao menos, uma rede educativa ou uma central de produção de conteúdo?

Por que tanto pioneirismo, em criar, fora do eixo Rio-São Paulo, um centro produtor de conteúdo educacional, aparentemente contrariando qualquer lógica?

Quem pode esclarecer essas questões, é o primeiro Diretor da Televisão Universitária, escolhido pelo reitor Onofre Lopes (fundador da UFRN) que dirigiu a instituição (criando uma universidade) enquanto abria caminhos e identificava fontes de financiamento, respaldado na sua própria liderança e força moral.

O primeiro Diretor da TV-U foi o professor Dalton Melo de Andrade, possuidor de uma memória prodigiosa, que não se nega, hoje em dia, a contar a verdadeira história, um pouco diferente da oficial.

Dr. Onofre fez a Universidade, priorizando o “fazejamento”, quando o Brasil descobria o planejamento. E para quem, “grupo de trabalho com mais de uma pessoa era perda de tempo”.

UM ALIADO COM DINHEIRO

A ideia da televisão veio de fora, quando Natal se ufanava de ser “a capital espacial do Brasil” e por aqui andava um cearense que botou na cabeça a transposição de um projeto vitorioso na Índia, com a junção da TV com um satélite de comunicação para levar a tele-escola aos lugares mais esmos.

Era o cientista Fernando Mendonça, da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (atual INPE), que andava por aqui por conta dos foguetes (parêntesis: nessa época fiz uma reportagem com ele – “O pai do satélite brasileiro” – para a revista Manchete) da Barreira do Inferno.

Num encontro casual com dr. Onofre, Mendonça falou do projeto indiano e da sua vontade de transplantá-lo para o Brasil.
O primeiro Reitor da UFRN interessou-se pelo assunto, deu continuidade as conversas, e dentro de pouco tempo já apresentou a Fernando Mendonça o seu “Grupo de Trabalho” para fazer a televisão. O grupo era formado por Dalton Melo, plenipotenciário para resolver a questão..

Naquele tempo, o Brasil não contava ainda com um sistema confiável de telecomunicações. Tanto que na origem de tudo estava o lançamento de um satélite e a junção de dois organismos públicos para viabilizá-lo. Interessado em lançar satélite, o INPE encontrou o parceiro ideal: uma universidade federal interessada em levar o ensino para o Interior, gerando demanda.

Dalton era rádio-amador, como Mendonça. E foi criado um canal próprio de comunicação entre ambos, quando o telefone interurbano no Brasil era ainda só um sonho.

ERA PRECISO INVENTAR

O problema do parceiro local era a falta de dinheiro. Compensada pela enorme criatividade e disposição de lutar.
Vendo escassez de possíveis financiadores no plano nacional, Dalton Melo recorreu aos “Companheiros das Américas”, entidade criada no Governo Kennedy para ajudar iniciativas interessantes, como aquela.

E os Companheiros das Américas conseguiram uma televisão prontinha, mas um tanto defasada, com equipamento à válvula, quando o transistor já tomava conta dos equipamentos eletrônicos.

Fernando Mendonça ainda sonhava com o satélite, e tinha conseguindo recursos nas suas fontes orçamentárias suficientes para iniciar o projeto.

Foi quando se descobriu que o equipamento vindo dos Estados Unidos, não dava. E o INPE para continuar sonhando com o satélite, terminou bancado a compra dos equipamentos novos para uma moderna emissora (e produtora) de televisão.

A Tv Universitária entrava do ar em 1972 para levar o ensino onde não tinha escola.

O QUE FICOU DO PROJETO

O Governador do Estado, Cortez Pereira, havia convocado Dalton para ser seu Secretário da Educação, entusiasmado com a proposta do Projeto Saci e antes do satélite foram identificados pontos que não tinham escola.

Uma precária rede de micro ondas levava o sinal da TV-U até esses locais, com o conteúdo produzido aqui nos seus estúdios (no prédio da antiga Escola Industrial, na avenida Rio Branco, em Natal).

O Projeto Saci (o nome foi mantido) chegou a ter 500 tele-postos em diferentes municípios do RN.

Foi quando o INPE jogou a toalha, compreendendo que a necessidade original, que justificaria o lançamento de um satélite exclusivo, havia sido ultrapassada por outro caminho, a Embratel que ligou o Brasil através um sistema eficiente de micro-ondas.
Sem o INPE, nem satélite, ficou a alma do SACI.

LUTAR PARA SOBRVIVER

Paralelamente, várias universidades federais foram criando as suas próprias emissoras, e o Ministério da Educação lançou um programa específico com um centro de produção centralizado para realização de telecursos.

Além disso a iniciativa privada entrou na área, com a Fundação Roberto Marinho, com respaldo da Rede Globo, contratando talentos em todo Brasil, inclusive em Natal. Com custos muito menores do que a produção estatal.

Totalmente desidratado, o Projeto Saci foi saindo de cena, e a TV Universitária teve de se reinventar.

Nos anos ´90, o reitor Geraldo Queiroz inaugurou a nova sede da TV-U no Campus Central da UFRN, a colocando numa nova dimensão, voltada sobretudo para o ensino da Comunicação. Integrante de uma rede nacional de emissoras ligadas pelas micro-ondas da Embratel, com um quadro de servidores e orçamento próprio.

Do satélite original ficou a lembrança e uma boa história dos tempos de pioneirismo e dos seus pioneiros. Os pioneiros que construíram esse país em todos os campos.

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