DE OLHO NO VESTIBULAR
Há três anos, o tema da redação do ENEM surpreendeu os jovens que nunca frequentaram pulgueiros: Democratização do Acesso ao Cinema no Brasil.
Nestes ambientes assépticos de salas VIPs, de poltrona reclináveis e serviço de bordo, a viagem mais fascinante leva os saudosistas, para o cinema da infância que a tecnologia 3D não consegue apagar da lembrança.
É tempo de contar aos jovens que queimam os miolos para redigir em linguagem vernacular, escorreita e castiça, como pode ser mais democrática, a sétima arte.
O tempo traz à memória, com sentimento de perda, até o motivo de bagunça, assobios e apupos.
Quando as sessões eram medidas em partes, com inevitáveis trocas dos rolos.
Com as luzes acessas, quanto mais rápido voltasse a projeção, melhor era considerado o cine.
Na ocorrência de algum engano nas latas das fitas trocadas, não tinha como continuar uma estória, sendo projetada a segunda parte de uma outra.
–Quero meu dinheiro de volta.
Reclamação recorrente e repetida não só em cada interrupção ou demora, mas em qualquer frustração à qualidade artística esperada.
Incluídas as propagandas enganosas dos cartazes da entrada.
Na tela remendada, romance água-com-açúcar; ao lado da bilheteria, Randolph Scott assoprando o cano esfumacento do três oitão do faroeste.
Não se encontram mais salas de cinema onde antes havia goteiras, pulgas e morcegos de assustadores voos rasantes.
Fitas gastas, arranhadas, cheias de riscos, manchadas, e quem levava a culpa era a mãe do projecionista.
Bem verdade que som surround já existia. Muito mais avançado que o modernoso quadrifônico de hoje. Integrava à trilha sonora, o barulho do trânsito e das conversas na calçada.
No imponente prédio de pé direito alto, porteiro carrancudo que deixava passar os menores não pagantes mas acompanhados, cortinas puídas e cheiro de mofo, ingresso era de todo preço e pra todos os gostos.
Poltronas, sem estofados.
Primeira classe.
Com direito a entrada de almofadas trazidas de casa.
Bancos, com e sem encostos, nas filas mais próximas ao écran.
Corredor lateral reservado à platéia em bipedestação.
Descontos especiais para os retardatários que pegavam o enredo no meio da missa. E depois, pediam pra algum amigo contar o começo da trama.
Que sessões continuas eram luxos encontrados somente nas telonas em cinemascope das metrópoles.
Também pr’aqueles que esperavam, do lado de fora, com certa impaciência, o The End para assistir somente o seriado.
De lotação sempre esgotada para o de Flash Gordon.
Nunca mais haverá sala de projeção mais democrática que o Cine Éden, o Cinema Paradiso do Agreste.