28 de abril de 2024
CoronavírusMemória

DIÁRIO DE UM VACINADO (REVISITADO)

219AEB8E-7BE3-4C07-9A8B-80C9F15BB609
Os estágios da vida – Caspar David Friedrich – 1835 – Museu de Belas Artes, Leipzig, Alemanha


Há um ano, no começo da vacinação, quando não se tinha certeza que as doses chegariam em número suficiente para os braços de todos, o medo misturava-se às dúvidas.

O relato de um dos primeiros privilegiados com a proteína spike no arsenal das defesas pessoais, merece uma releitura.

Aviso preliminar aos que pretendem ir até o fim do relato de quem recebeu a vacina para a Covid-19, entre os primeiros da fila.

No final,  o autor-personagem não virou jacaré.

Uma oportunidade anterior de imunização havia surgido há quatro meses. Seria um dos mil voluntários na contribuição que Natal daria aos estudos da fase 3, junto com outras pessoas do Reino Unido e da África do Sul.

Um misto de desconfiança e cisma em servir de cobaia, foi reforçado pela recusa de usuários de medicações anticoagulantes nas observações a ser feitas com a vacina do Laboratório AstraZeneca. Oxford,  para os íntimos, exclusivos, invejados e sofisticados.

O início da vacinação e a experiência dos filhos e noras, combatentes na linha de frente,  fizeram mudar o planejamento imunológico.

A famigerada  chinesa, sem notificações de efeitos adversos, estava sendo substituída pela sofisticada, de nobre linhagem inglesa, já testada, aprovada e liberada pela Anvisa.

O que seria deixado para a segunda fase, quando o teste da vida real estivesse bem estabelecido, pela idade, junto com os provectos cidadãos de mais de seis décadas, na lentidão da distribuição homeopática das doses, passou a ser meta antecipada e perseguida .

A bandeirada de largada da corrida de caça ao tesouro, foi dada no grupo de colegas médicos, todos semi-aposentados.

Acabara de ser liberado o encontro dos outros profissionais da retaguarda da saúde com aqueles meio mililitro, o líquido mais precioso e desejado que o gênio humano já criou.

A escassez do produto aumentou o desejo de quem ainda estava longe do podium.

Um festival de postagens nas redes sociais, algumas apagadas, deixou pistas e prints, despertando indignação, inveja e dedo-durismo.

Os  raros vacinados passaram a ser vistos como astronautas que voltassem  de  missão a Marte. Ou da estação interplanetária de Caiçara do Rio do Vento.

Esqueciam que todas as vacinas, estavam sendo aplicadas em caráter ainda experimental, em grupos sabidamente de maior risco.

Que no triste histórico das  nossas vítimas fatais, não havia sub-grupo com maiores perdas  que o de médicos de mais de 60 anos.

O tempo e o maior número de pessoas imunizadas iriam, mais à frente, dar as respostas e esclarecer dúvidas.

Cinco dias após a injeção, pareceu até que a doença se instalava, por azar, com todos os sintomas amplamente descritos, antes que os anticorpos estivessem prontos para a defesa.

A dolorosa experiência pessoal fez repensar o que são sintomas leves e moderados, nas  reações adversas.

O medo, tão constante nos relatos dos que foram acometidos e passaram por penosos tratamentos, não era diferente, nem menor.

A preocupação, se o padecimento aumentava com o passar das horas e se haveria melhora ao amanhecer, foram  os maiores tormentos.

A sôfrega procura por mais informações passou pela velha mania da imprensa, transmitida de herança às mídias sociais.

A ênfase ao lado negativo da notícia.

Relatos de raros desfechos dramáticos, gelaram a espinha dorsal.

A crença que orações e preces de última hora e somente  nos momentos de perigo, pouco ajudam, levaram à procura de explicações nos trabalhos científicos sobre efeitos colaterais,  reações imediatas, tardias e imunidade celular.

Mesmo que certos infortúnios só aconteçam com os outros, é bom estar preparado para também fazer parte das estatísticas.

Além das esperadas dor e sensibilidade no local da aplicação,  a Fundação Oswaldo Cruz alertava que  mais da metade dos vacinados iriam apresentar dor de cabeça e fadiga.

Mal estar e dores musculares, acometeriam 40%.

Um terço  teria febre e calafrios.

20%, dores articulares, prurido e náuseas.

E um alento confortador.

Os penares, como prometidos,  duraram poucos dias.

Por amargo que fosse o remédio, cem por cento das pessoas disputavam a vacina.

De uma forma ou de outra, todos lembrando o que disse sobre a mais temível das doenças, um dos primeiros sobreviventes famosos, o estrategista de novas ideias, Nizan Guanaes.

-Essa porra mata!

                                      ***


8E944FEB-E3E1-4721-A041-9D172D60E415

Assista ao clip:

Coronavírus – ESSA PORRA MATA! – Jingle no formato de samba.

4C21EF07-5760-43D7-8F27-5F11E119D6AF
Detalhe do quadro ‘Eestágios da vida’ – Caspar David Friedrich – 1835 – Museu de Belas Artes, Leipzig, Alemanha

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *