2 de maio de 2024
Memória

ESTÓRIA DE MÉDICO

O tempo passado e presente (1990) – Paula Figueiroa Rego – Museu Caloustre Gulbenkian, Lisboa


Os astrofísicos ainda não despertaram para o tema, mas há evidências robustas que a pandemia também pode obrigar uma revisão
  na teoria da relatividade.

Albert Einstein se tivesse sobrevivido à segunda pandemia, estaria procurando resolver mais um problema, em estágio supergênio.

Depois da peste do século XXI, a percepção do tempo faz o passado viajar mais rápido que o futuro.

Enquanto se reclamava que o porvir, trazendo vacinas eficazes contra a propagação do vírus, em dose única e potência de uma pilha duracell, tardava a chegar, o passado envelheceu depressa e afasta-se tão rapidamente, que já não se consegue lembrar com nitidez, o que ocorreu  há menos de dois anos.

Abortada aos cinco meses de gestação, depois de ocupar os espaços mais nobres e longos das programações de TV, apresentado parlamentares ilustres e desconhecidos e picaretas juramentados; ressuscitado velhos canalhas, e até revelado musas cientistóides, a CPI do Senado não passa de notinha de rodapé, nos livros grossos que começam a contar a história verdadeira.

Sem que houvesse antes nenhuma doença mais estudada, a Ciência ainda deve muitas explicações.

Começavam, timidamente, a aparecer as primeiras revisões críticas sobre a eficácia de medidas ampla e enfaticamente defendidas pelos guardiões do saber e exaustivamente divulgas pela grande mídia onisciente.

Já não se pode negar um consenso consolidado que três medidas adotadas pelas autoridades sanitárias mais diligentes, foram admitidas  e aceitas como  desperdício de tempo e recursos.  

Borrifar os pneus dos carros nas entradas das cidades, obrigar a passagem das pessoas, de braços abertos, pelos túneis de descontaminação, e o estímulo ao hábito dos banhos das compras de supermercado em álcool gel.

Sem mergulhar nas águas  turvas dos medicamentos realmente eficazes, já é tempo de voltar ao clima das curvas ascendentes da primeira onda, para refletir sobre uma postagem que circulou nos grupos de relacionamento de médicos, com o pedido de um colega, caso precisasse tratamento para a nova peste

Pela intimidade como foram tratados os termos técnicos,  o documento apócrifo foi escrito por quem estava atuando e exposto na linha de frente, sem perder o bom humor:

Caros amigos,

Deixo aqui minha autorização pra usarem em mim, Hidroxicloroquina + Azitro + Annita + Zinco + Vitamina D + Heparina + Irvermectina + Ritonavir + Letonivir + Vinho Malbec, caso eu precise de internação.

Intubação precoce, por favor.

Podem me sedar bem…

Gosto do Propofol … de preferência até acabar a quarentena!

Se quiserem, posso deixar minha prescrição pronta aqui.

Não fiquem esperando sair publicação não, blz?

Aceito até boato como evidência científica.

Se forem me incluir em algum estudo, quero estar com os que usam medicamentos!

Não me coloquem no grupo placebo,  please.

 

Agonia no Horto (2002) – Paula Figueroa Rego – The Royal Academy of Arts, Londres

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(Publicado em 04/04/2022, com o título “Essa é a História“, o texto  sofreu alterações)

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