FASES DA NOVA VIDA
Não fosse a possibilidade da sua chegada antecipada, não estaríamos engaiolados.
Pode ser que um ou outro afirme que o enjaulamento tenha razões altruísticas.
Proteger o próximo.
A coletividade.
Pessoas que nem se conhece.
É o medo que nos imove.
Do desconhecido, de acontecer comigo, do sofrimento que possa vir.
A psicologia haverá depois de adaptar as fases que passam os pacientes que recebem um diagnóstico desfavorável, os de remotas chances de cura.
O modelo foi organizado pela psiquiatra suíça Elizabeth Kübler-Ross, em 1969, e divulgado em livro que virou best seller.
Adaptado para o tratamento do câncer e outras doenças sombrias, o conceito passou a ser conhecido como os Cinco Estágios do Luto.
O que já foi observado individualmente em todo o mundo, em todas as culturas, agora pode ser comprovado que vale também para a pandemia global.
As diferenças ficam por conta das etapas da contaminação, como se tivéssemos um fuso pandêmico, com meridiano, não mais em Greenwich mas em Wuhan.
Quando surgiu o primeiro alerta, a negação.
Notícia de caixa baixa, em canto de jornal.
Mais uma virose comum de inverno.
Eles que são chineses que resolvam por lá.
A raiva só apareceu depois que as negativas foram repetidas em relação à Europa e ao oceano que nos separa.
Inveja transformada em culpa de quem foi passar carnaval em Veneza.
Ódio dos que fizeram cruzeiros marítimos pela costa almafitana.
Ira de quem não guardou o mal só para si.
Na hora do enfrentamento, instalado o pavor, negociação e barganha.
Pode chegar que será recebido.
Com cardápio variado: Cloroquina, Ivermectina, Azitromicina.
Providenciada hospedagem decente.
Não faltarão recursos.
À disposição da enorme comitiva, todos os hospitais, suítes, as instalações mais bem equipadas. E se não der para acomodar a todos, hotéis falidos serão recuperados e até construídos outros, de lona, inspirados nas tendas yurts da Mongólia.
Na estratégia para empalhar o avanço da invasão inevitável, o dolce far niente, como tudo em excesso, azeda. Vira depressão.
O dia todo, ouvindo e vendo notícias ruins. Impedidos de encontrar amigos e parentes. Sem poder praticar o esporte predileto, a ostentação social, só resta comer e beber.
Sem tinta, aparecem os cabelos brancos. Sem malhação, os outros buchos antes reprimidos pelos ferros frios das academias.
A aceitação, a última fase, quando observada no coletivo, ganha novas vestes.
Não é mais prenúncio do fim. É recomeço.
Não é mais resignação. É esperança.
Aceitar que pior era como estava.
O planeta rumo à destruição .
Pessoas juntas mas aglomeradas no egoísmo.
Vida em ritmo alucinante.
Sem destino, sem objetivos.
Ter. Sempre mais.
Amealhar.
Acumular.
Crescer sem sentido.
Lutar sem razão.
Dominar o mais fraco.
A nova vida vem para mostrar que o que nos faz mudar, não é a doença.
O que nos faz mudar é o medo.
Dela.