2 de maio de 2024
CoronavírusMedicina

HORA DO ADEUS

 

52142349-C86E-4422-BD73-FF880937C1E4
Ary Scheffer – A morte de Géricault (1824)


A pandemia também trouxe no seu embornal de mudanças de hábitos e costumes, o tabu que 
Francis Bacon em 1623, enquanto formulava os novos métodos da Ciência, deu nome de batismo.

Na Medicina, a proibição, sob forma de juramento, manteve a prática fora da lei e a léguas da ética.

Eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer um desse tipo.

A discussão da boa morte ressurge em meio a tantas outras, más, em números escandalosos e inevitáveis.

Terríveis sequelas em sobreviventes de penosos tratamentos intensivos,  aumentam o interesse por meios de, piedosamente, encurtar  sobrevidas limitadas.

Desejos difíceis de confissão, guardado escondidos nos baús das famílias, aparecem entre os  escombros do terremoto que varre todas as nações.

O que explica que um país riquíssimo, com população uniforme e educada, com renda e indicadores de desenvolvimento invejáveis, assistência médica universal de excelente qualidade, território pequeno, tenha um desempenho pior que algum pobre estado do nordeste brasileiro.

O percentual de casos fatais na Holanda chama a atenção e faz pensar se não sofre influência da aceitação da finitude, como fato natural.

As escolhas que as equipes médicas têm feito onde os recursos da assistência entram em colapso, serão analisadas depois que a  pandemia for controlada.

A ocorrência de uma seleção aceita, consentida e conformada. Darwiniana.

Com um pouco mais de um ano de curso, entre altas e baixas, incertos se outras ondas virão,  sabe-se  bem quem são as vítimas preferenciais.

A perversa doença é também iníqua, desigual e seletiva.

A maioria dos  atingidos  são idosos e  pessoas  mais frágeis, com  doenças crônicas.

A aceitação da hora última é mais natural onde é comum, em qualquer idade, por ameaça de mal incurável ou pela convicção de já ter vivido o bastante, reunir as pessoas mais chegadas, anunciar uma longa viagem, fazer as despedidas e partir.

Há três anos um holandês ao repetir uma cerimônia que se torna comum, reacendeu a discussão com sua estória que rodou o mundo.

Sem nenhuma doença grave nem diagnóstico sombrio, em perfeita lucidez, reuniu a família, pais, irmãos, primos, o melhor amigo e um pastor.

Depois de jantarem os pratos e o vinho preferidos e de uma oração, um médico injetou uma substância letal na veia do anfitrião.

Em menos de um minuto, ele adormeceu e parou de respirar.

Sem sofrimento, sem dor.

Aos 41 anos, divorciado e com dois filhos pequenos, depois de várias internaçoes em clínicas de desintoxicação, sem conseguir controlar a dependência ao álcool, ele e seu médico chegaram à conclusão que seu padecimento era insuperável.

A eutanásia viaja na comitiva da pandemia.

08E2D95D-6726-4C43-8858-D6CDD70A8378

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *