INVEJA INOCENTE
Para formar o escrete da coleção Plenos Pecados, a Editora Record convocou os melhores e os que escreviam com maior sucesso, artigos e crônicas nos mais importantes jornais e revistas de prestígio.
A última década do século passado estava começando, com os mesmos pecados de sempre.
Os capitais, cada um, entregue e confiado a um autor.
O tema livre e a penitência, a serem procurados nas estantes empoeiradas das memórias adormecidas.
A estréia coube a Zuenir Ventura, 89 anos, já veterano jornalista de grandes reportagens, merecedoras dos maiores prêmios.
Esso e Jabuti, só pra ficar no topo dos tops.
Publicado em 1989, A Inveja recebeu epíteto claramente inspirado em Nelson Rodrigues.
O Mal Secreto.
A invídia é o sentimento solitário nunca admitido. Conhecedor da alma, das fraquezas, da vida das pessoas, e como ela é, o dramaturgo maldito havia dado a dimensão do segredo:
“Há coisas que o sujeito não confessa nem ao padre, nem ao psicanalista, nem ao médium depois de morto.”
Escrito durante um longo tratamento para um tumor de bexiga, o livro é uma viagem por consultórios médicos em buscas de cura para o corpo. E mente.
Mesmo nessas circunstâncias, o sentimento tão escondido, teimava em aflorar.
Até da atitude e maneira de encarar problema semelhante, mas de maior gravidade, como do amigo Darcy Ribeiro, falecido poucos anos antes do início da obra por encomenda:
“Câncer dá um prestígio danado”.
A sensação que faz incontrolável o desejo de ter o que o outro tem, pensar como seria se ocupasse a posição do chefe ou se tivesse a estampa do amigo conquistador, é ativada na mesma área do cérebro que registra as dores do corpo.
E como dói.
A coleção que continuou em mais seis estações dolorosas (e de prazeres), foi um dos maiores sucessos editoriais e continua a ser revisitada, como referência, quando se quer tratar de sentimentos básicos. E instintos primitivos.
Lançada quando a internet ainda parecia coisa de cientista maluco, não retratou (nem deu prints) as novas apresentações dos desvios e vícios da condição humana.
Em dias de isolamento social, nos chats familiares que amenizam as saudades dos avós, a revelação que no jogo de quem perde e quem ganha, a inveja já está presente na gente miúda e inocente.
Em áudios controlados pelos pais, no grupo de troca de mensagens, uma reclamação, uma reprimenda e uma confissão de culpa. Com direito a perdão.
O neto de sete anos externou insatisfação e delatou o irmão dois anos mais novo.
Por não ter conseguido como ele, empilhar as cartas de baralho na formação de castelo, aparentando desinteresse, destruiu a construção, o trabalho, a atenção e a demorada paciência do único parceiro nas brincadeiras distanciadas dos amigos.
Na sabedoria dos seus três aninhos, a prima, falando do outro lado da linha, do outro Rio Grande, veio com comentário e conselho, dizendo não ser certo “esmagar” o trabalho do outro.
A justificativa e o reconhecimento da culpa foram de receber absolvição sumária em indulgência de pecado venial.
–Laurinha, eu estava com inveja. Isso acontece algumas vezes comigo.
Muito bom o texto. Gostei como sempre.
Gostei como sempre.