2 de maio de 2024
Eleições

Lula à portuguesa

E agora Brasil? Os 12 trabalhos de Lula da Silva

João Almeida Moreira, de São Paulo para o Diário de Notícias, de Lisboa

O presidente eleito terá de lidar com transição hostil de governo, Congresso virado à direita, rombo orçamental, rejeição alta.

E ainda acomodar todos os velhos, novos e futuros aliados no Executivo.

Lula da Silva terá uma tarefa hercúlea nos próximos quatro anos. São, pelo menos, 12 trabalhos, como os do herói grego: reunir um país dividido, gerir a rejeição, reformular o Orçamento, lidar com um rombo nas contas, escolher um ministro da Economia consensual, negociar com um Congresso à direita, saciar os parlamentares clientelistas, acomodar todos os novos aliados no Executivo, enfrentar a militarização do Planalto, mudar radicalmente a política em áreas como ambiente, educação, cultura ou direitos humanos e retomar as relações internacionais. E mais uma, imediata: assegurar transição suave entre governos

A transição de 2002, quando Lula sucedeu a Fernando Henrique Cardoso e assumiu a presidência da República pela primeira vez, foi considerada exemplar, segundo analistas à época. Com Bolsonaro, que foi agressivo em campanha e não felicitou o rival na noite eleitoral, a transição é vista, no mínimo, como desafiadora.

Lula, com quase 50% de rejeição e eleito com a menor diferença de sempre para o derrotado, terá de saber, entretanto, reunir o país, sentando-se à mesa com conservadores no comportamento, liberais na economia, armamentistas, grandes latifundiários e demais setores da sociedade que, por norma, o criticam.

Por outro lado, precisa negociar uma “licença para gastar” para abrir caminho ao cumprimento de promessas, como a preservação de um pagamento mínimo de 600 reais [cerca de 115 euros] do Auxílio Brasil – ex-Bolsa Família -, e muitas outras. “A roda da economia vai voltar a girar com os pobres fazendo parte do Orçamento”, disse Lula já depois de eleito.

Apesar da recuperação da atividade pós-pandemia, a economia tende a esfriar em 2023 e não há dinheiro para manter e ampliar os benefícios sociais prometidos por Lula (e também por Bolsonaro).
A escolha do ministro da Economia é por isso considerada fundamental e desafiadora: Lula vai optar por alguém ligado ao PT, mais estatizante e desenvolvimentista, como Fernando Haddad, acabado de sair derrotado da eleição para governador, ou um economista ortodoxo, como Armínio Fraga, presidente do Banco Central de Fernando Henrique Cardoso, ou Henrique Meirelles, ministro da pasta de Michel Temer?

Apesar da recuperação da atividade pós-pandemia, a economia tende a esfriar em 2023.

Para a sua equipa de campanha, a negociação política por um novo Orçamento com o Congresso – que reforçou a tendência de direita nestas eleições – será prioritária já a partir desta semana.

Nas eleições de 2002, os partidos da coligação de Lula conseguiram 25% do plenário. Após a eleição, três formações que não participaram na campanha ocuparam postos no Executivo, ampliando a base lulista para 39%. Os partidos que apoiaram Lula desta vez conquistaram 24% do total. A coligação poderá alcançar 43%, se Lula conseguir a adesão do MDB, de Simone Tebet, e do PDT, de Ciro Gomes, entre outros partidos, sem diferenças irreversíveis para o PT. E acomodar todos esses interesses num Executivo muito provavelmente inchado.

Além disso, negociar com o centrão, conjunto de deputados que se alinha com o presidente, seja ele qual for, em troca de cargos e verbas, será novamente inevitável – essas negociações geraram escândalos como o Mensalão, no primeiro governo Lula, e o Bolsolão, na gestão de Bolsonaro, com elevados prejuízos para os cofres públicos.

Entretanto, Lula terá de enfrentar a desmilitarização do Planalto: a ação de militares e de polícias em operações no dia da eleição a tentar constranger e atrasar eleitores nordestinos, maioritariamente com Lula, mostra o tamanho desse desafio.

Finalmente, o novo presidente vai mudar radicalmente a política de Bolsonaro em áreas como o ambiente, especulando-se o regresso de Marina Silva à pasta, a educação e a cultura, hostilizadas pelo anterior governo, os direitos humanos, até agora nas mãos da pastora evangélica Damares Alves, ou o combate ao racismo, sob liderança de um negacionista da escravatura.

Nas relações diplomáticas, a ideia é retomar a liderança na América do Sul e apostar em relações multilaterais, depois de Ernesto Araújo, ministro original dos Negócios Estrangeiros de Bolsonaro, ter defendido para o Brasil o papel de “pária internacional”.

Factos e números da eleição:

– Lula é o primeiro político brasileiro a vencer três presidenciais. E o segundo, após Getúlio Vargas, em 1950, a regressar ao poder. Só Getúlio, aliás, esteve mais tempo na presidência do que Lula, mas a maior parte desse período como ditador. Já Bolsonaro é o primeiro presidente a falhar a reeleição.

– O 1,8% de diferença entre Lula e Bolsonaro – pouco mais de dois milhões de votos – constitui a mais apertada margem entre dois candidatos no Brasil. O anterior recorde pertencia a 2014, quando Dilma Rousseff superou Aécio Neves por 3,28% (3,4 milhões de votos).

– Segundo contabilidade do deputado norte-americano Paul Filipelli, Lula superou Joe Biden como o presidente mais votado da história da democracia, com 241 milhões de votos somados em todas as eleições que disputou. Biden tem 218 milhões, Richard Nixon, 188, George W. Bush, 186, e o indonésio Joko Widodo, 159.

– Lula precisou de 120 atualizações dos resultados oficiais até vencer. A primeira parcial, pouco depois das 20h00, indicava 13,36% de vantagem de Bolsonaro sobre Lula: 56,6%-43,3%. A reviravolta ocorreu à 54.ª, quando estavam apurados 75,19% das urnas. Só após as tais 120 o TSE declarou Lula como vencedor.

– Dos 12 Estados que tiveram 2.ª volta para eleição de governador no domingo, em quatro – um terço – o segundo mais votado dia 2 acabou por vencer o rival.

– A eleição de 2022 teve o maior número de votos em candidatos da história brasileira desde a redemocratização, em 1985. Dos 156 milhões de eleitores aptos, 124,1 milhões, ou 75,8% do total, foram às urnas.

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