28 de abril de 2024
Comportamento

MANSPLAINING NO BOSQUE

O Nascimento de Vênus de Sandro Botticelli, por Harmonia Rosales


No dia do repouso bíblico, o sétimo, alguns não perdem a
feira da São José, os granjeiros vão buscar as macaxeiras mais caras do mundo, enquanto os fazendeiros contam em segundos, as boiadas passando pelas porteiras, para na segunda-feira, não faltar assunto nem a previsão do tempo no árido relato da seca que sempre ameaça.

No Bois de Boulogne, Lakefront, Central Parke nas ruínas do calçadão da Praia do Meio, os senis caminhantes e jovens corredores aproveitavam o bom tempo na eterna estação, para reaprender a viver sem as focinheiras sanitárias.

Os sucessivos decretos de medidas restritivas para o enfrentamento da pandemia, já passavam da 48ª versão flexibilizada, mas ainda não havia contemplado a dispensa do uso dos protetores oronasais.

Os primeiros raios fulgentes da manhã primaveril no Bosque dos Namorados foi o palco de um quase arranca-rabo entre antagonistas, envolvendo alquimistas politizados que transformam tudo que tocam, em dialética.

Faltou pouco para o emprego de argumentos escatológicos e deveras chulos.

A solitária jogger, neófita, notada mais pelo frescor da juventude que o legging em desacordo à forma que certamente procurava encontrar de novo, cabelos em fuá e axilas alérgicas às lâminas de barbear, perguntou ao mais experiente da trinca de decrépitos que vinha em sentido contrário, se o coronel honorário do exército da camaradagem não sabia que no pescoço, a máscara não atendia à obrigatoriedade legal.

Tivesse abordado um machista, misógino ou fascistóide, a petulante reclamante, teria recebido uma resposta menos gentil e mais anatomotopográfica.

A justificativa ao óbvio foi apresentada de forma ríspida, em tom paternalista e másculo, mesmo assim, condescendente; imprecisa e simplista, como se a jovem militante do politicamente correto fosse incapaz de entender a explicação.

O silêncio calou até o trinado dos cancões, sinal que a mensagem foi mal recebida pela desamada, como mais um flagrante e abominável caso de  mansplaining.

A Criação de Michelangelo, por Harmonia Rosales

Harmonia Rosales, pintora afro-cubana americana de Chicago, nascida em 1984, usa obras clássicas para reinterpretá-las, conferindo o protagonismo às mulheres negras

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Texto publicado originalmente em 10/07/21

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