MENINO DE FORMOSA
Há 20 anos, quem iria imaginar a baía escondida, de águas mansas e barcos preguiçosos, conhecida mundo a fora.
Nem o peixeiro que deixava o filho, com as tampas das caixas que conservava, no gelo, o pão de todo dia da família, imitar os forasteiros que chegavam em bandos e iam direto para o mar aberto de Bacupari.
Talvez tivesse a esperança que todo esforço para encaminhar a molecada na vida, pudesse um dia ser recompensado.
Nunca daquele jeito, com aquela brincadeira. Boa somente pra quem tinha tempo sobrando pra vadiar.
Coisa de gente rica que nunca pegou no pesado nem passou por privação.
O menino virou rapaz, fez boas amizades e com um prêmio ou outro que ganhava, mesmo atrapalhando os estudos, começou a ajudar nas despesas de casa.
Generoso, botou dinheiro num negócio de pousada pra ser tocado pela parentada.
A padroeira, Senhora Iemanjá, haveria de proteger a todos.
Duro foi saber que com aquele meio de vida, não ficariam juntos. Nunca mais como antes.
Agora era uma correria só. Atrás de onde tivesse mar mais brabo ainda. E glórias a conquistar.
Por ele, aceitava o destino que ninguém muda. Não tinha jeito era da patroa se conformar com a vontade de Deus.
Saudade é bicho danado.
Compromissos e viagens para lugares bem mais longe que a outra baía, da Traição, pra mais de cinco léguas de chão.
A gente se acostuma.
Agora, depois da fama, ficou muito mais fácil. Dá na TV, por onde o garoto anda. Alegrias e tristezas nas vitórias e nas quedas, ali mesmo na torcida, da sala de visitas.
A gente se acostuma.
Todo mundo agora quer privar da amizade e da companhia. É assim mesmo. É no bom tempo que as arribaçãs aparecem.
A gente se acostuma.
São Pedro Apóstolo haverá de guiá-lo nas marés altas. Dos cações e de todos os perigos da vida, estará livre.
Tanta prece valeu a graça de ver a vida melhorando, mesmo nesses tempos difíceis pra tanta gente.
Depois da maior façanha, recebido com todas as honras, do povo e do governo, voltou à cidade nunca deixada pra trás, em festejos que só Nossa Senhora dos Navegantes tinha direito.
No ano que entra, quando as ondas quebrarem no Japão, vai ter ainda mais.
A cidade, de novo, será uma festa só. Do Mirante à Praia do Porto.
