NO RASTRO DO MEDO
Como todos os outros, 2020 DC começava preguiçoso.
Sol, sal e mar.
Pra tudo o mais só acontecer depois do Carnaval.
Na animada festa do povo, ao vivo, nos palanques pré-eleitorais, nas TVS, as mesmas atrações.
As fantasias de sempre e os temas politicos e esquerdamente corretos que têm se repetido mais que refrão de partido-alto, nos desfiles das escolas de samba.
A novidade foi um atraso do turista que não ficou somente em mais um no show.
Levou falta, não pediu ressarcimentos, nem ao menos adiou a excursão para o ano vindouro.
Na ressaca da fuzarca, apareceu sem avisar, fazendo folia, fora de época.
Mandou antes a fantasia e quando a encomenda chegou, já era cinzas.
Ninguém saiu vestido de seda pura.
Nem de musseline.
Nem de Mandarim.
No meio do caminho, um empalho.
Quem sabe, efeito de tanta notícia de violência urbana, queimadas na Amazônia, achincalhes a Greta ou somente misoginohomofobia, preferiu passar o tríduo momesco em lugar mais elegante.
No Vêneto.
Daí para uma esticada pela Lombardia foi menos de um pulo.
Antes de finalmente embarcar num navio de cruzeiro em Lampedusa já havia passado pela Úmbria, sem ter recebido a benção papal (SS estava gripada) no último jardim do Lácio.
Chegou ao Brasil, como rei coroado, trazido nas bagagens dos endinheirados que festejaram os feriados, cultuando Baco, em terras, praias e navios distantes.
Como o conde romeno, escondeu-se do sol.
Preferiu lugares onde o frio aproxima as pessoas, em ambientes mais aconchegantes.
Como guiados pelas estações do ano, os de sua espécie costumam aproveitar o outono para iniciar a viagem que contamina amigos e familiares, se estendendo por todo o inverno.
Não se sabe ainda a razão de não ter participado de bailes infantis.
Mostrou predileção especial pelos saudosistas das antigas.
Quem já nem troca o passo, mas faz tesouras e parafusos aos primeiros acordes do vassourinhas.
E lacrimeja de saudade dos entrudos, corsos e troças.
Não foi brincante de primeiro espetáculo. Nem marinheiro de segundo naufrágio.
Há um século havia andado por tudo que foi canto da Europa mas entrou para a história como A Espanhola.
Acabou com a festa de, incríveis, 40 milhões de pessoas.
Todo ano dá o ar de sua desgraça.
Seu périplo começa pelo norte, no inverno. Depois, repete a dose debaixo do equador.
Já transitou também em áreas menos extensas.
Há 60 anos, pela Ásia, quando não se sabia o que acontecia (nem quantos visitou) por trás da grande muralha, deixando um rastro de 1,5 milhões, presumidos.
Dez anos depois, só em Hong Kong, mais um milhão na macabra conta sem somar ninguém do país continental ainda fechado para o comércio e os olhos exteriores.
Andou pelo Oriente Médio, violento, atacando os dois lados da guerra sem fim.
No país onde a esperança fez-se profissão, o medo que o visto do turista durasse mais que um pesadelo de uma noite de verão, virou tormenta que nunca será esquecida.