3 de maio de 2024
Nota

O NETO CALORENTO

Ricardo Ferrari


Que os netos são a sobremesa do banquete da vida, ninguém discorda.

A feliz frase, tantas vezes repetida, tem vários pais.

E mães.

Ao usá-la quando foi avô, Cortez Pereira, orador inesquecível e administrador de rara visão, traduziu em palavras, o sentimento, como se pela primeira vez, tivesse sido dita.   

Tem muito mais gente driblando todas as dietas para participar da última parte do festim.

Antes do café amargo.

Quem sabe ouvir e falar a linguagem dos pequenos,  terá  sempre uma boa estória pra contar.

E quem conta um conto, aumenta um ponto.

Avôs-babões, incluídos.

Pedro Bloch, médico, escritor, teatrólogo e jornalista, com vasta obra literária, mantinha na revista Manchete, a coluna semanal, Criança Diz Cada Uma.

Fatos que vivenciava no seu consultório de Foniatria, transformados em deliciosas historietas.

Recebia também contribuição de leitores.      

Hoje sua caixa de e-mails estaria abarrotada de perguntas inesperadas e respostas desconcertantes.

Mais estimuladas e com acesso fácil à informação, as crianças do século XXI são mais seguras em suas opiniões e desejos.

Na conversa descontraída, o avô foi repreendido por ter falado um palavrão.        

Aquela palavrinha que o Faustão soltava,  duas em cada frase que dizia, no Domingão que mudou de dono.

O argumento que o pimpolho, de seis anos, já conhecia o significado do nome feio, não convenceu.

Eu sei o que é, mas não digo na frente do meu avô.

Na alta-estação  de consumo aumentado, na black friday, os pequenos também quiseram ir às compras.

O aviso que a ida ao shopping era tão somente para passeio e lanche, foi logo esquecido quando surgiu a vitrine da loja de brinquedos.

As negativas da mãe de fazer qualquer compra sob o argumento que o pirralho já tinha muito com que brincar,  foi contestado.

Um amiguinho tinha tantos brinquedos quanto ele e sua mãe sempre que vinha à catedral do consumismo, comprava mais um.

Ao lembrá-lo que não era a mãe do coleguinha, ouviu a lamúria que não esperava.

Azar o meu!

Na reta final para as compras dos presentes de Natal, toda atenção é pouca para não causar decepções.

Qualquer informação, mesmo as declaradas em terceiras intenções, não deve ser desprezada.

Se o jovem aprendiz de metereologista, como só os crescidos costumam fazer, reclama do calor, pode ser apenas pretexto para dispensar presentes de pijamas por mais agasalhadores e fofinhos que a avó possa imaginar.

Está tão quente, que agora só durmo de cueca.        


Ilustrações:Ricardo Ferrari, pintor mineiro contemporâneo

(Publicado em 16/12/2021)

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