O POVO DAS RUAS
Em Paris, a prefeitura foi bem longe. No rigoroso inverno de 2018, sem outra alternativa, abrigou em dois salões da sua sede, o Hôtel de Ville, cem moradores de rua.
De atitude mais significativa, não se tem notícia.
O ato da prefeita Anne Hidalgo não ficou marcado como uma arrojada jogada de marketing político e pessoal.
Seguindo seu exemplo, em pouco tempo, mais de 1500 abrigos temporários foram abertos na França. Sem licitações, nem dispensas de.
Somente movidos a compaixão. E vontade.
Prédios públicos desocupados ou subutilizados, acolhendo e salvando vidas dos cidadãos, que donos de todas as ruas do mundo, incluída a Champs-Élysées, a mais famosa, não tinham onde dormir.
O Papa Francisco mandou instalar, entre uma capela e um museu, uma lavanderia para a população carente. E os mais necessitados têm direito a bônus para receber medicamentos na farmácia da cidade-estado.
Com o confisco dos bens dos oligarcas russos, o governo inglês anuncia que as mansões dos que juntaram fortunas à sombra do tirano, servirão de abrigo para os refugiados ucranianos.
Na maior e mais rica capital brasileira, uma área degradada é a lândia mais conhecida do país.
Tem vida e regra próprias que não são as mesmas do resto da sociedade, e por isso, as soluções, sempre amparadas pela força (bruta) policial, falharam.
Quando a miséria se mistura com dependência e tráfico de drogas, o problema parece insolúvel.
Em Natal, não é diferente.
Nem desiguais são os olhos dos que fingem nada ver.
Só despertamos da letargia quando a cracolândia ou o alcoolódromo se instala no dobrar das nossas esquinas.
Grupos de etilistas reúnem suas histórias e desencantos, juntam-se em pequenos grupos e ocupam lugares públicos, onde encontram o último abrigo.
Dividem o que têm e o que bebem.
Nos bairros residenciais, sobrevivem das sobras dos abastados. E dos perdões que transbordam nas lixeiras.
Assistidos pelo serviço social, consultório na rua, pela ação de grupos religiosos e de voluntários, têm recebido ajuda, mas o destino é bem maior do que tudo que lhes oferecem.
Quando levados para instituições, não se adaptam às regras feitas para o outro mundo, que já não habitam há muito tempo.
Não se espera que a prefeitura transforme o Palácio Felipe Camarão em hospedaria.
Nossa rive droite é bem mais embaixo.
Pede-se aluguel social.
A ser administrado pelo líder de cada grupo.
Depois, as demais abordagens, condutas e tratamentos.
Desabrigados pelas chuvas e ameaçados de desabamentos já recebem.
Por que não estender também aos outros de nenhuma sorte?
Ao relento.
Ao desalento.
Igualmente.
Desabrigados.
Pelo calor inclemente.
Pela falta de calor.
Desumano.
Detalhe: Santo Elias e a Viúva da Cidade de Sarepta [Dar de Comer a quem tem fome] 1715 – Francisco Lopes Mendes- Igreja da Misericórdia de Évora, Portugal
Mais bom do que mió.