O POVO NAS RUAS
Em Paris, a prefeitura foi bem longe. No rigoroso inverno de 2018, sem outra alternativa burocrticamente viável, abrigou em dois salões da sua sede, o Hôtel de Ville, cem moradores de rua.
De atitude mais significativa, não se tem notícia.
Como para resolver o gigantesco problema social, cada família levasse para casa uma pessoa que passa as noites frias e chuvosas ao léu, sob marquises e nos bancos das praças.
O ato da prefeita Anne Hidalgo não ficou marcado como uma arrojada jogada de marketing político e pessoal.
Seguindo seu exemplo, em pouco tempo, mais de 1500 abrigos temporários foram abertos na França. Sem licitações, nem dispensas de.
Somente movidos a compaixão. E vontade.
Prédios públicos desocupados ou subutilizados acolhendo e salvando vidas dos cidadãos que donos de todas as ruas do mundo, incluída a Champs-Élysées, a mais famosa de todas, não tinham onde dormir com o mínimo de dignidade.
O Papa Francisco no final do ano passado reuniu 1500 sem teto para um almoço em comemoração à Jornada Mundial dos Pobres. Em outras ocasiões, os desabrigados de Roma já haviam sido recebidos no Vaticano.
Não ficou nos gestos.
Neste pontificado, foi instalada, entre uma capela e um museu, uma lavanderia para a população carente. E os mais necessitados têm direito a bônus para receber medicamentos na farmácia da cidade-estado.
Na maior e mais rica capital brasileira, uma área degradada é a lândia mais conhecida do país.
Tem vida e regra próprias que não são as mesmas do resto da sociedade e por isso, as soluções, sempre amparadas pela força (bruta) policial falharam.
Quando a miséria se mistura com dependência e tráfico de drogas, o problema parece insolúvel.
Em Natal, não é diferente.
Nem desiguais são os olhos dos que fingem nada ver.
Só despertamos da letargia quando a cracolândia ou o alcoolódromo se instala no dobrar das nossas esquinas.
Grupos de etilistas reúnem suas histórias e desencantos, juntam-se em pequenos grupos e ocupam lugares públicos onde encontram algum abrigo.
Dividem o que têm e o que bebem.
Nos bairros residenciais, sobrevivem das sobras dos abastados. E dos perdões que transbordam nas lixeiras.
Assistidos pelo Serviço Social, Consultório na Rua, pela ação de grupos religiosos e de voluntários, têm recebido ajuda mas o destino é bem maior do que tudo que lhes oferecem.
Quando levados para abrigos, não se adaptam às regras, feitas para o outro mundo que já não habitam há muito tempo.
Não se espera que a prefeitura transforme o Palácio Felipe Camarão em hospedaria.
Nossa rive droite é bem mais embaixo.
Ação zero, ação zero-um e primeira ação.
Aluguel social.
A ser administrado pelo líder de cada grupo.
Depois, as demais abordagens, condutas e tratamentos.
Desabrigados pelas chuvas já recebem.
Por que não estender também aos outros?
Ao relento.
Ao desalento.
Igualmente.
Desabrigados.
Pelo calor inclemente.
Pela falta de calor.
Desumano.