8 de maio de 2024
Memória

OUTROS MENINOS

O Escolar ou O Filho do Carteiro (1888) – Vincent Van Gogh- MASP, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand


Na pouco lembrada efeméride de
31 de março, nos dias de distanciamento, isolamento e  introspecção, a repostagem d’O Menino Viu o Golpe,  despertou reminiscências familiares.

Lembrar onde estava quando um fato relevante aconteceu, mesmo sem nenhuma participação direta, é bom exercício de memória.

E de confiança que o momento que maltrata vai  passar.

Os registros do que vivenciamos na pandemia serão os maiores desde as primeiras inscrições rupestres.

Não deixarão de ser lembrados e repetidos, até a inevitável intervenção do doutor alemão.

Como as crianças de hoje contarão nosso drama aos netos?

Será que lembrarão do vídeo que o pai enviou para o avô em isolamento social e familiar, onde aparecem eufóricos e aos gritos de Viva o Corona?

Só porque não teriam aula naquela tarde preguiçosa.

Vão guardar na memória que em poucos dias já reclamavam da proibição de ir ao shopping da falta que o convívio com os colegas faz?

Que as aulas pelo tablet não eram as mesmas, sem o aconchego da professora.      

E como era mesmo o nome da tia?

Se as novas tecnologias permitirem, haverá chance de resgate da memória eletrônica.

Para lembrar à guria que aos dois anos ficava na janela do apartamento, olhando para a piscina da escola vizinha, pedindo aos pais para ir para sua prainha.
Mesmo na manhã chuvosa  e fria de Porto Alegre.

Os meninos de 1964 lembraram.

Como um filme em preto e branco.

A prima, também.

Da mãe chorando, preocupada com o marido, oficial da Aeronáutica.

De prontidão, aquartelado na Base Aérea, sem dar notícias.

E do alívio com a ligação tranquilizadora para a casa do vizinho, única com telefone nas redondezas.

Parece irreal.

Que se pudesse viver sem celular.

E liberdade.

O irmão caçula, também.

Aos seis anos, escutava o nome Castelo Branco e imaginava um palácio feito de areia, como os que construía na Barra do Cunhaú.                               

Alvo. Pintado da cor da praia.

E mostra como foram também,  tempos de silêncio e medo.

A mudança na  casa.

Uma fotografia do pai, ladeado por João Goulart e Juscelino Kubitscheck, coberta pela imagem de Nossa Senhora da Conceição.

Os avós de 2084 também lembrarão.

Como uma série da Netflix em 4K.

Duas crianças (1890) – Vincent Van Gogh – Museu de Orsay, Paris


(Publicação original em 03/04/2020)

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