PROCURANDO NELSON RODRIGUES
O maior dramaturgo brasileiro do século XX, Nelson Rodrigues, falecido há 43 anos, não foi sempre a unanimidade de hoje.
Só a burrice contemporânea explica este óbvio, agora, tão ululante.
Formado nas redações dos jornais, transformou o trabalho insalubre reservado aos focas, em matéria prima para romances, peças, contos e crônicas.
Cobrindo o noticiário policial, encontrou personagens que tornou inesquecíveis, no universo onde predominaram as mulheres.
Sofridas, traídas, enigmáticas, desesperadas, sedutoras, vingativas.
Seus personagens, como almas penadas, continuam à procura de quem conte suas estórias com a mesma fidelidade que nem sempre mantêm.
Que seja cruel, compreensivo, trágico, sórdido, erótico, santo, profano, sacana.
Com a mesma matéria prima que o reacionário profeta tricolor soube, com maestria, extrair do futebol e calçar em chuteiras imortais.
Como a da professorinha da periferia de São Paulo que passou pra mais de uma semana percorrendo delegacias, hospitais e necrotérios à procura do companheiro de sete anos, desaparecido poucos dias depois do réveillon.
Sem motivo.
Sem explicação.
Esgotados os recursos das redes sociais, alguém lembrou que um detetive particular poderia desvendar o mistério.
Se o amado não aparecia, por que o carro que ele cuidava com tanto zelo, haveria de sumir?
1984 há muito já ficou para trás, são outros os big brothers, e há em cada esquina, um insone pardal eletrônico.
Na estrada de praia de verão e dolce far niente, as câmeras não tiram férias.
A pista, depois das mesmas curvas que levam a Santos, acabou na beira do mar.
De frente para um grupo de casais em animado churrasco.
O enigma, finalmente decifrado.
O procurado agora é ex-marido, mas o pranto continua.
Por outro motivo.
– Melhor se tivesse morrido.
(Texto, com modificações, publicado em 18/01/2020)