4 de maio de 2024
CULTURA

SEM HONRAS AO CAVALEIRO DO REI

25E1BB5E-2CD2-4C82-A0FB-03B63D6EA213
São Jorge e o Dragão (1506) – Rafael


Há um ano, depois da já esperada saída, a passagem  de
Sérgio Moro pelo Ministério foi encenada em espetáculo de quatro atos.

Afinidade, confiança, decepção e ruptura.

A convergência de caminhos diferentes para uma estrada mais larga, havia unido a  retórica à prática.

Do parlamentar há 30 anos denunciando os desvios que tomava conhecimento e apresentando soluções radicais.

Aceito  por poucos.

Do magistrado que parecia implacável, julgando com rigor o que era investigado e chegava aos autos.

Admirado por muitos.

Ousadia de ambos.

De um, a luta e conquista do inimaginável. Fazer da desilusão da maioria, a esperança que tudo podia ser diferente.

Da velha política.

Do outro, ao trocar o invejável cargo vitalício de futuro seguro, pelas incertezas do efêmero. E mesmo assim, querer mudar.

A nova política.

Planos comuns de combate incessante ao mal que provocava todos os outros, sendo adaptados e reduzidos à realidade e ao jogo político

Entre os céus e a terra, há mais intempéries que vã filosofia.

As caravanas do poder têm muitos peregrinos.

Amigos, familiares, tantos com outras formas de pensar e agir. E interesses.

O passado que não adormece,  teima em aparecer, clamando explicações.

Intrigas palacianas.

Ciúmes.

Luz  própria.

Brilho.

A tensão chegando ao ponto irreversível depois das fases de distanciamento, isolamento e fritura.

Não deu mais pra segurar.

De repente, no meio da tormenta, era tempo de salvação. De quem pudesse.

E de preservar mandatos e biografias.

Ninguém imaginava o  que seria descoberto mais à frente, por uns poucos trambiqueiros mequetrefes, aceito como prova bastante para imprimir na testa do ex-juiz, o carimbo de parcial.

O ferreiro estava politicamente ferido de morte ao serem revelados os subterrâneos de outros mecanismos e métodos semelhantes aos execrados pelos novos paladinos da Justiça.

Quando em 1968, o deputado Márcio Moreira Alves, com a vara curta de um discurso no pequeno expediente, para uma plateia de três gatos pingados, catucou os poderosos engalanados, não se esperava consequências mais violentas.

Acabou no AI 5, símbolo do arbítrio, passando antes pela inesperada e corajosa reação de um velho e franzino tribuno, de um raquítico estado da federação.

Ao repetir Calderón de la Barca, Djalma Marinho escreveu a página mais fiel à sua história de vida pública.

Ao rei darei minha coragem, minha fidelidade e minha palavra. Mas, minha honra não, pois esta, pertence a Deus.

Quando o que mais se espera de governantes e de magistrados é que façam a coisa certa, é tempo de ouvir mais, o poeta, dramaturgo e sacerdote espanhol.

808D1241-8EB7-4269-A4DD-372EACDFDC60

                     Pedro Calderón de la Barca

 

A VIDA É SONHO

É certo; então reprimamos

esta fera condição,

esta fúria, esta ambição,

pois pode ser que sonhemos;

e o faremos, pois estamos

em mundo tão singular

que o viver é só sonhar

e a vida ao fim nos imponha

que o homem que vive, sonha

o que é, até despertar.

Sonha o rei que é rei, e segue

com esse engano mandando,

resolvendo e governando.

E os aplausos que recebe,

Vazios, no vento escreve;

e em cinzas a sua sorte

a morte talha de um corte.

E há quem queira reinar

vendo que há de despertar

no negro sonho da morte?

Sonha o rico sua riqueza

que trabalhos lhe oferece;

sonha o pobre que padece

sua miséria e pobreza;

sonha o que o triunfo preza,

sonha o que luta e pretende,

sonha o que agrava e ofende

e no mundo, em conclusão,

todos sonham o que são,

no entanto ninguém entende.

Eu sonho que estou aqui

de correntes carregado

e sonhei que em outro estado

mais lisonjeiro me vi.

Que é a vida? Um frenesi.

Que é a vida? Uma ilusão,

uma sombra, uma ficção;

o maior bem é tristonho,

porque toda a vida é sonho

e os sonhos, sonhos são.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *