SEM HONRAS AO CAVALEIRO DO REI
Há um ano, depois da já esperada saída, a passagem de Sérgio Moro pelo Ministério foi encenada em espetáculo de quatro atos.
Afinidade, confiança, decepção e ruptura.
A convergência de caminhos diferentes para uma estrada mais larga, havia unido a retórica à prática.
Do parlamentar há 30 anos denunciando os desvios que tomava conhecimento e apresentando soluções radicais.
Aceito por poucos.
Do magistrado que parecia implacável, julgando com rigor o que era investigado e chegava aos autos.
Admirado por muitos.
Ousadia de ambos.
De um, a luta e conquista do inimaginável. Fazer da desilusão da maioria, a esperança que tudo podia ser diferente.
Da velha política.
Do outro, ao trocar o invejável cargo vitalício de futuro seguro, pelas incertezas do efêmero. E mesmo assim, querer mudar.
A nova política.
Planos comuns de combate incessante ao mal que provocava todos os outros, sendo adaptados e reduzidos à realidade e ao jogo político
Entre os céus e a terra, há mais intempéries que vã filosofia.
As caravanas do poder têm muitos peregrinos.
Amigos, familiares, tantos com outras formas de pensar e agir. E interesses.
O passado que não adormece, teima em aparecer, clamando explicações.
Intrigas palacianas.
Ciúmes.
Luz própria.
Brilho.
A tensão chegando ao ponto irreversível depois das fases de distanciamento, isolamento e fritura.
Não deu mais pra segurar.
De repente, no meio da tormenta, era tempo de salvação. De quem pudesse.
E de preservar mandatos e biografias.
Ninguém imaginava o que seria descoberto mais à frente, por uns poucos trambiqueiros mequetrefes, aceito como prova bastante para imprimir na testa do ex-juiz, o carimbo de parcial.
O ferreiro estava politicamente ferido de morte ao serem revelados os subterrâneos de outros mecanismos e métodos semelhantes aos execrados pelos novos paladinos da Justiça.
Quando em 1968, o deputado Márcio Moreira Alves, com a vara curta de um discurso no pequeno expediente, para uma plateia de três gatos pingados, catucou os poderosos engalanados, não se esperava consequências mais violentas.
Acabou no AI 5, símbolo do arbítrio, passando antes pela inesperada e corajosa reação de um velho e franzino tribuno, de um raquítico estado da federação.
Ao repetir Calderón de la Barca, Djalma Marinho escreveu a página mais fiel à sua história de vida pública.
Ao rei darei minha coragem, minha fidelidade e minha palavra. Mas, minha honra não, pois esta, pertence a Deus.
Quando o que mais se espera de governantes e de magistrados é que façam a coisa certa, é tempo de ouvir mais, o poeta, dramaturgo e sacerdote espanhol.
Pedro Calderón de la Barca
A VIDA É SONHO
É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
Vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.