SEM HONRAS AO REI
Afinidade, confiança, decepção e ruptura.
Um espetáculo em quatro atos.
A convergência de caminhos diferentes para uma estrada mais larga, uniu a retórica com a prática.
Do parlamentar há 30 anos denunciando os desvios que tomava conhecimento e apresentando soluções radicais. Aceito por poucos.
Do magistrado que, sem concessões ou privilégios, julgava com rigor o que investigado e provado, chegava aos autos. Admirado por muitos.
Ousadia de ambos.
De um, a luta e conquista do inimaginável. Fazer da desilusão da maioria, a esperança que tudo podia ser diferente.
Da velha política.
Do outro, ao trocar o invejável cargo vitalício de futuro seguro pelas incertezas do efêmero. E mesmo assim, querer mudar.
A nova política.
Planos comuns de combate ferrenho e incessante ao mal que provocava todos os outros, sendo adaptados à realidade e ao jogo político
Concessões aceitáveis que não impediriam que chegassem ao objetivo e ao bem comum.
Entre os céus e a terra, há mais intempéries que vã filosofia.
As caravanas têm muitos peregrinos.
Amigos e familiares são tantos, com outras formas de pensar e agir. E interesses.
O passado que não se deixa esconder, teima em aparecer, clamando explicações.
Intrigas palacianas.
Ciúmes. Brilho. Luz própria.
A tensão chegando ao ponto irreversível depois das fases de distanciamento, isolamento e fritura.
Não deu mais pra segurar.
De repente, no meio da tormenta, era tempo de salvação. De quem pudesse.
E de preservar o mandato e a biografia.
Quando o deputado Márcio Moreira Alves, com a vara curta de um discurso no pequeno expediente, para uma plateia de três gatos pingados, catucou os poderosos engalanados, não se esperava consequências mais violentas.
Acabou no AI 5, símbolo do arbítrio, passando antes pela inesperada e corajosa reação de um velho e franzino tribuno, de um raquítico estado da federação.
Ao repetir Calderón de la Barca, Djalma Marinho escreveu a página mais fiel à sua história de vida pública.
Ao rei darei minha coragem, minha fidelidade e minha palavra. Mas, minha honra não, pois esta, pertence a Deus.
Quando o que mais se espera do governante é que faça a coisa certa, é tempo de ouvir mais, o poeta, dramaturgo e sacerdote espanhol.
A VIDA É SONHO
É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
Vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.
–Pedro Calderón de la Barca