28 de abril de 2024
Comportamento

SEQUESTRO E SÍNDROME DA CHINA

 

738E7891-1F0A-473A-86D8-B31992B0FCBB
Paul Cezanne – O rapto (1867)


A suspensão abrupta das atividades rotineiras, do convívio familiar mais amplo e dos amigos, é violência sem tamanho.

Viver, sob coação, em ambiente limitado sem o direito de ir e vir, a depender do tempo decorrido,  pode levar ao final,  a  uma situação de estresse pós-traumático.

Ou desenvolver uma inexplicável admiração pelo opressor.

Ainda não se tem notícias de estudos psicológicos,  se o comportamento dos que enfrentaram o confinamento pelo coronavírus é o mesmo da Síndrome de Estocolmo.

Lembra um crime elaborado, profissional, urdido por gente bem preparada e que exige muita experiência de quem o pratica e paciência dos que sobreviverão.

Sequestro.

O local do início da ocorrência, o mais improvável. Mas dizem os especialistas, é de onde e quando menos se espera que surge o impensado.

Caminhada diária e matinal com amigos, num domingo de parque com frequência reduzida.

Muitos viajam. Vão às praias e fazendas.

No portão principal, muito próximo dos guardas da vigilância, um senhor de idade e boa aparência.

Trajava bermudas, camisa de mangas curtas, de botão.  Tênis e boné do América.

Detalhe que pode ajudar mais pra frente: na mão direita, um pedaço de pau. Envernizado. Desses que muita gente carrega para espantar os cachorros de rua.

Me chama pelo nome e vai logo dizendo que tem alguma coisa pra mostrar.

Caminhamos juntos até um Classic com bons quinze anos de uso. Senta-se ao volante, abre a porta do carona e manda que entre.

Mal me acomodo no banco e o bólido sai a toda.                                    

A corrida não leva mais que cinco minutos.

Portão eletrônico acionado e entramos em lugar onde nunca havia estado antes.               

Condomínio de classe média alta.

Sou forçado a segui-lo.

Tomamos o elevador que parou no quarto andar.

No apartamento, pela fresta da porta entreaberta, deu pra ver que uma mulher dormia. Sua cúmplice, certamente.

Naquele instante, pensei rápido. Era ele, o sequestrador e eu.

Daí  pra frente, comecei a ficar tranquilo.

A motivação e razões do ardil foram explicadas. Muito bem entendidas e aceitas.

Meu algoz passava dos 85 anos e há mais de vinte,   nossos caminhos se cruzavam diariamente. Além dos cumprimentos, rápidas conversas que os ritmos diferentes das passadas permitiam.

Tudo que queria era mostrar onde morava. E como tem sido sua vida na cidade que escolheu para fazer amigos e família, desde que deixou Nova Cruz,  alguns anos antes que eu tivesse nascido.

Vida longa. E mansa,

Rosalvo d’Oliveira.

(Publicação original em 10/07/2019)

986999F1-D5B2-46DC-9AA3-EDC29EA46F51

Rubens – O Rapto das Filhas de Leucipo (1618)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *