3 de maio de 2024
Memória

UM GOLPE NO MEIO DO CAMINHO

O bobo Sebastián de Morra (1644) – Diego Velázquez- Museu do Prado, Madri


Ninguém ainda parou para pensar na origem de tantos golpes e armações.

Avisos de compras nunca efetuadas, dependendo de confirmação, agora são diárias e repetidas.

Parece até que só não dão certo, os golpes de alguns políticos.

Parentes pedindo ajuda para pagar boletos, foram tantos que ficaram démodés.

O clima emocional na pandemia foi o caldo de cultura para a escalada de armações pelos vivaldinos e trambiqueiros que fizeram da escassez de material médico-hospitalar e da espiral de aumento dos preços, ambiente perfeito para ação dos vigaristas sanitários.

Eles abundaram.

Especialistas em tudo. Incluídos vírus chineses e nova-iorquinos.

Em tempos de pressa e dinheiro para assistência  médica como nunca houve, ofereciam de tudo,  até hospital pronto pra ser montado nas nuvens.

Atmosféricas.

Os áses dos números, gráficos e premonições sempre existiram, como atesta uma estória sempre lembrada de um golpe no meio do caminho de um certo gestor público de primeiro escalão.

Há quem defenda que as penas a serem aplicadas aos estelionatários deveriam ser abrandadas na proporção da criatividade do meliante.

Um se especializou em aplicar golpes em Secretários de Saúde.

Por ser antigo na atividade e de  recorrente atuação, sempre que uma nova leva chegava à Brasília para reuniões periódicas, era feito o alerta.

O novo auxiliar da Governadora (ainda de origem não popular) nem tinha esquentado a poltrona.

Voltara da primeira viagem à capital federal e poucos dias depois recebeu telefonema do colega pernambucano.

Foram tantas apresentações, toda aquela gente nova na corte que pouco lembrava da fisionomia quanto mais da voz ao telefone.

Era um convite para almoçarem juntos na sexta-feira.

Disse que passaria o fim de semana com mulher e filhos  em São Miguel do Gostoso. Viagem longa, uma parada em Natal era estratégica.

Aproveitaria o repasto para apresentar seus projetos para ações que beneficiariam os demais estados nordestinos.

Tinha até algumas dicas de como conseguir mais recursos no ministério.

Logo, a agenda do secretário foi bloqueada e uma mesa reservada num restaurante de fama.

Perto da hora combinada, recebe chamada do viajante.

Estava em Goianinha mas um contratempo provocava pequeno atraso.

Um tanto aflito, disse estar até sem jeito de pedir um favor mas não viu outra solução.

Seu carro apresentara defeito mas já havia sido consertado.

Na hora de pagar o serviço, o mecânico não trabalhava com cartões de crédito.

Estava sem suficiente dinheiro em espécie, não usava mais  talão de cheques  e  o caixa eletrônico da cidade não atendia ao seu banco.

A solução era uma transferência bancária para a oficina e quando regressasse ao Recife o valor seria devolvido.

O secretário, para alegria dos auxiliares do gabinete, avisou que não voltaria mais naquele dia. Expediente encurtado, como sói acontecer.

Passou no banco, fez o depósito na conta anotada  e de lá foi direto para o local combinado.

Tudo conforme o acertado, mas o deselegante novo amigo  não apareceu para  o compromisso.

Deve ter passado direto pra Gostoso.

Nunca agradeceu o obséquio nem restituiu o ‘empréstimo’.

O almoço (1617) – Diego Velázquez – Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia

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