TRÊS ANOS – OU 48 – DE TUA PRESENÇA
O planetinha azul acaba de completar três voltas em torno do deus Rá, desde o início da mais triste, amarga e angustiante recordação da humanidade.
O aniversariante errante tudo podia, tudo via, com seu poder da transformação.
Mostrou os caminhos.
Foi paciente. Esperaou o momento certo de agir.
Apontou para as coisas mais importantes da vida, por muitos esquecidas.
Poucos entenderam os seus sinais por mais evidentes e claros fossem.
Desígnios.
Não respeitou as fronteiras delimitadas pelos interesses econômicos.
Derrubou muros.
Falou todas as línguas.
Esteve em todos os lugares.
Ricos, pobres, sábios, ignorantes, homens, mulheres. Outros.
Cianças, velhos, jovens, incréus, religiosos, poderosos, oprimidos, prisioneiros, gregários, ermitões.
Todos sentiram sua presença.
Potentados das maiores nações, chefes dos exércitos mais temíveis, detentores dos arsenais de destruição em massa, não sabiam como enfrentá-lo.
Invisível, atacou sorrateiramente.
Sem ser percebido, e usando os pontos fracos de onde se instalava, destruiu e venceu cada batalha, para muitos, final.
Em pouco tempo, dominou os sobreviventes.
Cada soldado conquistado era mais um para lutar a seu lado, propagando suas ações por todos os lugares.
Sem publicar decreto algum, estabeleceu normas de conduta e novas regras de comportamento.
Depois dele, só o que verdadeiramente importa, interessa.
Determinou que as pessoas cuidassem de suas vidas e dos seus mais próximos.
Que permanecessem mais em sua casas que nas ruas.
Que evitassem aglomerações e situações de estresse.
Demonstrou como o ar poderia ser mais puro, o ambiente limpo e menos perigoso se a produção de bens e supérfluos, estivesse livre de poluição.
Viagens desnecessárias, suspensas, ensinaram aos que queriam ir sempre mais longe, apenas para mostrar riquezas, que o que queriam conhecer estava bem mais perto.
Dentro deles.
Fez trocar o maravilhoso e deslumbrante tour fantástico, por um bilhete para uma jornada interior.
Obrigou que escolas suspendessem suas atividades e fez mestres e alunos refletir se o que se ensina é o que precisa ser aprendido.
Sem ter produzido uma só gota, nem ter participado de reunião de países produtores, estabeleceu os preços do petróleo e seus derivados.
Aos que haviam esquecido o dito, “ganharás o pão com o suor do teu rosto”, relembrou o vaticínio, com a queda das bolsas de valores.
E fulminou a farra dos rentistas e especuladores.
Até em hábitos mais corriqueiros, ditou novas regras de convivência.
Que se evitassem apertos de mãos que não fossem de amizade verdadeira.
Beijinhos na face, fingidos ou não.
Nem pensar.
Nada disso seria surpresa se a profecia do gênio de Santo Amaro da Purificação tivesse sido levada em consideração, há 45 anos.
A tua presença morena
Entra pelos sete buracos da minha cabeça
Pelos olhos, boca, narinas e orelhas
Paralisa meu momento em que tudo começa
Desintegra e atualiza a minha presença
Envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas
É branca, verde, vermelha, azul e amarela
É negra, negra, negra, negra, negra, negra, negra, negra, negra
Transborda pelas portas e pelas janelas
Silencia os automóveis e as motocicletas
Se espalha no campo derrubando as cercas
É tudo o que se come, tudo o que se reza
Coagula o jorro da noite sangrenta
Mantém sempre teso o arco da promessa
-Caetano Emanuel Viana Teles Veloso
Caetano Veloso, Moreno Veloso – A Tua Presença Morena (Ao Vivo)
(Publicado por ocasião do 80° aniversário de Caetano Veloso, o tema volta para marcar o 3° do início da pandemia)