UM DEDO NA DÉTENTE
Toda moda quando não começa, passa ou termina na França.
Na política, é quase a mesma coisa.
Se os franceses não são mais protagonistas, continuam como inevitáveis coadjuvantes.
Nos anos 70, o acirramento das relações entre Estados Unidos e União Soviética só foi abrandado com um toque francês. Pelo menos na palavra-síntese das intenções, negociações e ações que afastaram o mundo de outra guerra mundial.
Détente.
Abaixo do equador, sem um Gorbatchov, íamos de Geisel.
Tão carrancudo mas muito mais arejado que seus antecessores, sentiu e assimilou os ventos internacionais.
Lenta e gradualmente, preparou a volta dos militares aos quartéis.
De onde só vieram a sair de novo, mais de 30 anos depois, sob comando de um reles capitão da reserva, com menos de dez anos de caserna.
Mas esta é outra história (ou será estória?) a ser contada pelas interceptações e vazamentos de mensagens criptografadas em aplicativos de smartphones.
Traduzida, a palavra-chave logo foi incorporada ao linguajar de scholars, políticos, jornalistas e pinguços de botequim.
Distensão.
Como tudo que surfa na crista da onda, a atmosfera de liberdade era sentida do Leblon a Belfort Roxo. Das Rocas às Quintas.
Até mesmo no atendimento da clínica de luxo preferida pelos chics e poderosos da segunda capital.
Ex-vice-presidente da República, o quatro estrelas de pijama que já começava a trocar a frequência da Rádio Globo pela Tupi, é internado na urgência e precisa de uma sonda para alívio da retenção urinária.
Material pronto. O plantonista calça as luvas mas antes de pegar no, digamos assim, instrumento, é interrompido pelo ajudante de ordens que se apresenta como tenente-médico.
Ordenando que apenas o professor-doutor poderia fazer o procedimento.
Ainda não tinha caído a ficha do ordenança mas naqueles novos tempos já auscultavam-se pela ruas, os estertores da ditadura. E vice era vice. Quanto mais, um ex.
O que explica a contraordem do comandante em chefe da equipe médica.
Sem tempo nem paciência para certas exigências e a agenda do consultório cheia de encaixes, a bexiga prestes a explodir teria que ser esvaziada pelo jeune docteur.
Que aproveitou a ocasião e pra não deixar o serviço pela metade, foi fundo no exame da próstata da ex-sub-autoridade.
Chico Buarque – Jorge Maravilha
Julinho de Adelaide (1974)
“Geisel não gostava de Chico mas Amália gostava”
(Publicação original em junho/2020 com o título Ex era Ex)
Um atento leitor, estudioso da história contemporânea faz uma correção na arma do examinado, já devidamente providenciada pelo editor de texto.