13 de maio de 2024
Memória

UM PRÊMIO PARA OS BRAVOS APRENDIZES

O Artista e o Aprendiz (1895) – Vladimir Makovsky – Galeria Tretyakov, Moscou, Rússia


Os jovens urologistas quando se destacam na produção acadêmica, durante a formação de pós-graduação, concorrem ao
cistoscópio de ouro.

Uma láurea para a vida toda e todos os currículos.

O disputadíssimo prêmio é simbolizado pelo aparelho para exames que somente os da especialidade sabem manusear.

Na era dos dinossauros, quando em quarentena ficavam os marinheiros que transportavam, em cabotagem, as encomendas que as Vênus das beiras de cais lhes entregavam, com amor comprado, a inexistência de antibióticos exigia outros tratamentos.

Médicos que abraçaram a especialidade (no mais figurado dos sentidos táteis) há quarenta, cinquenta anos, herdaram complicações que sobreviveram aos seus mestres.

Procedimentos que fidelizavam os clientes por tantas sessões prescritas e um instrumento mágico como panaceia.

O beniquê.

Epônimo aportuguesado do francês Pierre Jules Béniqué (1806-1851) o criador de um bastão metálico, com vários calibres e formato propício para a introdução na uretra masculina.

Sem anestesia.

Sem anestesia local.

Com a convicção que aquecido, dilataria mais, e depois de Pasteur, também eliminaria germes.

Virou símbolo da velhíssima guarda. E entre eles, a maneira de se referir  ao fim da carreira.

Da jubilação não alcançada pelas novas leis da previdência.

Como sói ocorrer com jogadores de futebol que depois de contusão grave ou falta de fôlego, comunicam estarem pendurando as chuteiras, os doutores das vias urinárias e afecções venéreas também sublimam o nome do indesejável ócio.

Os retirantes penduram o beniquê.

O que sempre foi  planejada com antecedência e adiada por necessidade, também caiu na conta da pandemia e no balanço das perdas e ocorrências da Covid-19.

Distanciados da prática médica, isolados de suas equipes de jovens que voltaram à labuta mais cedo, os anciãos prolongaram o recolhimento domiciliar por mais tempo.

Muitos caíram, ou sobreviveram, ou entraram na compulsória.

Com tempo  de sobra para  ordenar em escritos, arrependimentos, sonhos, fracassos e conquistas, as memórias da vida que segue.

 

Pescador. Finlândia (1899) – Vladimir Makovsky – Galeria Tretyakov, Moscou, Rússia

 

(Reflexões de um novo aposentado iniciadas em 22/04/2020)

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