26 de abril de 2024
Poder

Diálogo das instituições, por Erick Pereira no Blog do Noblat/O Globo

O artigo publicado no Blog do Noblat/O Globo é do advogado potiguar Erick Pereira, Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP. 

“A crise política-financeira que ora vivemos está a exigir pronto enfrentamento precedido de diálogo com a sociedade, de outro modo transformará todos em inimigos potenciais, soldados perdidos e desorientados de uma guerra hobbesiana “de todos contra todos”. Sua gravidade prescinde do enfraquecimento, ainda que transitório, do Judiciário perante a mídia e a opinião pública.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso do afastamento do Presidente do Senado, não poderia ou deveria ser outra que não a tomada pelo plenário, sobretudo em face das características do caso – a suspensão de um presidente de uma casa legislativa é ato de extrema complexidade com potencial de afetar a estabilidade do próprio Poder. Ademais, decisões monocráticas em âmbito de liminares são naturalmente frágeis, apesar do alívio que trazem à sobrecarga de julgamentos do Tribunal. Como bem resumiu o ministro Gilmar Mendes, “Embora cada ministro tenha uma carga de poder imenso, o que importa é a instituição, o colegiado. Devemos reparar na jurisprudência do tribunal e seguir essa jurisprud& ecirc;ncia. Quando atuamos como se fôssemos seres únicos e onipotentes, causamos problemas institucionais graves”.

Estudos têm demonstrado que o comportamento judicial é influenciado pela opinião pública e outros fatores extrajudiciais, a exemplo das experiências pessoais e profissionais. Mas, em contexto de carência de lideranças políticas, a maioria da população nutre expectativas de uma opinião crítica e diretiva acerca dos rumos da Lava Jato e da condenação de políticos envolvidos em atos de corrupção. Opiniões que acreditam deveriam ser coincidentes com as suas próprias, forçando a adoção de uma interpretação mais flexível e menos garantista dos princípios e normas legais, a exemplo do ocorrido no julgamento do Mensalão.

Com a intensificação da função constitucional do Supremo e a crescente judicialização da política – fenômeno que se espraiou com desembaraço em todas as instâncias, estando a gerar inevitável resistência dos políticos -, pressões da mídia e da opinião pública têm desafiado a independência do Judiciário, malgrado as divergências doutrinárias naturalmente encontradiças nos membros do Poder Judiciário.

A independência, valor imprescindível à atividade jurisdicional, tanto permite que os conflitos sejam pacificamente harmonizados quanto decisões contramajoritárias tomadas, especialmente quando visam preservar princípios e normas constitucionais do regime democrático. E normas constitucionais, na lição de Canotilho, são “normas-vínculo”, obrigatórias, sobretudo aquelas que fixam princípios.

Infelizmente, não é incomum que decisões contramajoritárias sejam confundidas com subserviência e condescendência com o crime, a corrupção e os interesses corporativos. O descrédito do Judiciário tem sido reforçado com acusações de vinculações espúrias com outros poderes, parcialidade de decisões, arbitrariedade. Mas, a atividade de julgar é mais complexa do que supõe a opinião pública, amiúde debruçada na redução da dialética do Direito à simplicidade dos silogismos. Litígios e crises não faltarão para submeter à prova a independência dos juízes, força imprescindível &a grave;s sociedades dem ocráticas.

O STF, cujos membros gozam de liberdade profissional, sem que isso importe indiferença em face das aflições carreadas pela atual crise nacional, é instituição que abriga limites nos seus julgamentos. Em conformidade com decisões proferidas por cortes de democracias desenvolvidas, as decisões do Tribunal também tendem a se aproximar dos projetos e metas do Legislativo e Executivo, preservando tanto quanto possível o sistema de separação de poderes e do diálogo entre as Instituições. E tal tendência mais se aplica quanto maior for a crise política e mais necessário o equilíbrio de forças e a harmonia entre as instituições.

É insustentável, portanto, o anseio de “passar o Brasil a limpo”, extirpar toda a “classe política corrupta” que nós elegemos para introduzir uma casta pura no Congresso Nacional. Ademais, a nossa capacidade de pressão popular é quase nada em comparação com nossos surtos de indignação apregoados a cada nova delação. E, quando agimos, não nos balizamos por debates amplos e reivindicações politicamente viáveis, formando um caldo para soluções extremistas, desarrazoadas ou intempestivas, consoantes com as fragilidades de um sistema político característico das democracias falhas.

Embora a corrupção não possa ser erradicada, pode sempre ser reduzida pela vigilância recíproca entre os partidos e pelas intervenções das instituições de controle. Soluções extremistas são nefastas para a segurança jurídica, o equilíbrio das instituições, a estabilidade política e a ordem constitucional. Nossas referências não são realmente as ideais, mas são elas que ora fundamentam e sustentam a nossa imatura e falha democracia, que urge apoio aos planos de reconstrução da economia e de reforma do sistema previdenciário e político-partidário, sem prescindir de ideais, projetos, caminhos possíveis e esperança . A incapacidade colet iva de imaginar alternativas é sinal da indigência política de um povo”.