26 de abril de 2024
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O povo barrado na sua própria Casa

O artigo abaixo foi escrito por HERVAL SAMPAIO JUNIOR é Mestre em Direito Constitucional, Juiz de Direito e Juiz Eleitoral no Estado do Rio Grande do Norte e escritor renomado nacionalmente, com obras publicadas em diversas áreas do direito, inclusive direito eleitoral.

Venho fazer este pequeno texto indignado, como cidadão brasileiro, com o que vi na data de ontem, na sessão do Congresso Nacional, fato que, infelizmente mais uma vez, repetiu-se também hoje.

Ressalto que em nenhum momento adentrarei ao mérito desse Projeto de Lei que está sendo levado a discussão, de origem do Governo Federal, que trata de um ajuste da Lei de Diretrizes Orçamentarias para alterar as metas do chamado superávit primário e nem mesmo mencionarei a questão do suposto condicionamento ou, segundo a oposição, chantagem, de somente haver a liberação das emendas individuais dos parlamentares acaso o citado ajuste venha efetivamente a ser aprovado pelo Congresso Nacional.

E não farei tanto pela temática que me propus quanto pela complexidade do tema orçamentário, contudo ressalto desde já que é muito estranho e talvez inovador o condicionamento trazido no Decreto que faz remissão futura do projeto que está sendo votado.

O que nos motiva a escrever esse pequeno texto é o fato de que, por incrível que pareça, o povo foi impedido literalmente de adentrar à sua própria casa, fato que não se tem como justificar, com todo respeito a sua Excelência o Presidente do Senado, que se possa impedir a priori o acesso do povo às galerias do Congresso Nacional, por mais que se tragam argumentos de que se fez tal impedimento justamente porque se teria uma partidarização feita pelos membros da oposição.

E por mais que seja verdade a justificativa de que as pessoas iriam fazer baderna, segundo a Mesa Diretora, por mais que possa ser verdade, já que não foi provado pelo menos por enquanto, creio que não se poderia limitar, por hipótese nenhuma, o acesso do povo às galerias do plenário.

Esse é um principio basilar da nossa democracia, democracia esta que é representativa justamente porque não se encontrou até hoje um modo de o povo exercer diretamente seu poder, como se tentou outrora na chamada democracia ateniense, contudo como se trata de uma democracia de representação e os parlamentares que se encontram no Congresso Nacional são legítimos representantes do povo, não poderia o detentor material do poder a priori, antes de haver em concreto qualquer descumprimento de norma regimental do Congresso, impedir o legítimo acesso e o acompanhamento às discussões e votações.

Vetar o acesso às galerias do Congresso Nacional do povo a título preventivo, sem o descumprimento específico do dever de permanecer em silêncio, disse diversas vezes na minha rede social twitter e facebook, é inconstitucional. Se o presidente da Casa tivesse argumentos suficientes para entender que o acesso daqueles manifestantes, que segundo ele seriam partidarizados e pagos pela oposição, que o nobre Senador, Presidente da Casa, tivesse permitido o ingresso de todos aqueles que queriam entrar e ai sim aplicando Regimento Interno da Câmara e do Senado, por conseguinte no Congresso Nacional, que não permite no decorrer das discussões e votações, qualquer manifestação das galerias, justamente porque atrapalharia e porque verdadeiramente causa uma baderna ao processo legislativo.

Se assim tivesse agido teria a legitimidade necessária para colocar para fora o povo que não respeitou a lei interna da Casa, mas não vetar o acesso, como foi feito na data de ontem e hoje mais uma vez, por incrível que pareça. Hoje, pelo que tenho acompanhado, as galerias ficaram totalmente vazias, fato que é ainda mais grotesco, já que, como tenho repetidamente dito e não consigo pensar diferente apesar de sempre admitir a possibilidade de estar errado, creio serem aqueles cidadãos, e não baderneiros, que querem ter acesso às galerias para acompanhar a discussão, e consequente a deliberação do projeto e também do decreto que condiciona, consoante já colocamos no inicio.

Repito de forma veemente: que se permitisse o ingresso e ai, comprovado de fato que aquelas pessoas iriam realmente descumprir o Regimento e fazer baderna, seriam legitimamente colocadas para fora e não poderiam reclamar que foram expulsas da casa, como ontem reclamaram e pelo menos nesse argumento reclamaram com total razão.

Não estou nesse momento defendendo de modo algum que possa ter havido e se considere legítimo, por parte dos parlamentares da oposição, excesso na hora de conter os manifestantes contra a própria Policia Legislativa, se arvorando da qualidade de mandatários do poder do povo e nem muito menos também avalizando a própria atuação da Policia Legislativa com relação a possíveis excessos, como por exemplo, se diz na mídia de que houve uma gravata em uma senhora de 79 anos ou até mesmo um choque elétrico em um professor.

Digo e repito mais uma vez que houve excesso dos dois lados, já que tanto o governo quanto a oposição tentam utilizar esse cenário com fins eleitoreiros como sempre fazem, o que nos leva a acreditar na verdadeira politica e chamar muitas vezes tudo isso de “politicagem”.

Inadmissível, em qualquer caso, é se limitar a priori, se vedar como estamos vendo, o acesso do povo à sua casa, triste fato que certamente será lembrado negativamente e que, sinceramente, esperamos que possa ficar somente na história e que os próximos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e por conseguinte do Congresso Nacional não cometam mais esse erro crasso, de impedir o acesso do povo a um espaço democrático que é seu.

Ora o povo deveria ter entrado normalmente e somente após verificado o descumprimento do regimento, estaria configurado a irregularidade, por descumprimento da normatização e, em consequência, haveria legitimidade na ação de esvaziar as galerias, pois é indiscutível que nenhum direito é absoluto e nem mesmo o direito de se fazer presente às sessões do Congresso Nacional para prejudicar o andamento regular do processo legislativo.

O senhor presidente perdeu a oportunidade de dar uma lição de cidadania, inclusive uma lição maior de cidadania no que tange as próprias manifestações fora do congresso, pois de modo algum nenhum dos direitos podem ser abusados.

Triste ter que escrever essas pequenas linhas, que demonstram que a nossa Constituição mais uma vez vem sendo descumprida, como infelizmente se vê cotidianamente. Queria eu poder escrever esse pequeno texto, falando que a nossa Carta Maior é sempre cumprida por todas as autoridades, mas na realidade ela é rasgada a todo dia, a todo instante. E o pior é que todos acham natural, todos acreditam que se pode rasgar essa Constituição como se ela não fosse o documento mais importante do nosso País e como se ela permitisse que o detentor do poder não pode entrar na sua casa, que absurdo, o qual espero não se repita nunca mais.

Vamos nos indignar contra tudo isso e principalmente contra o despautério constante à nossa Carta Magna.