26 de abril de 2024
DireitoOpinião

O Grande Irmão Fiscal

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Por Frederico Seabra de Moura – Advogado

Veio a público nesta última quinta-feira, 12 de agosto de 2021, uma das propostas legislativas mais temeráriasem matéria tributária jamais vistas entre nós.

Trata-se de Emenda Modificativa remetida pela Deputada Tabata Amaral, no contexto do Projeto de Lei nº 2.337/2021, que, originalmente, pretende reformar a tributação da renda no Brasil.

Por meio da referida Emenda, Sua Excelência resolveu propor aos parlamentares a criação da chamada Agência de Proteção do Público.

Vinculada diretamente à Câmara dos Deputados, a Agência seria concebida para “regulamentar a atividade de planejador tributário, estritamente com a finalidade de instruir a atividade legislativa”.

Para o texto, planejador tributário é “o profissional que desempenhe funções voltadas para reduzir o pagamento de tributos federais pelos seus clientes, ainda que de forma lícita, sejam os clientes pessoas físicas ou jurídicas, independentemente da formação acadêmica do profissional ou do seu pertencimento a categoria regulamentada por conselho profissional”.

Segundo a Emenda, tais profissionais seriam, dentre outros, os advogados, contabilistas, administradores e bancários, aos quais seria cometida a obrigação de notificar à Agência “sobre quaisquer novas práticas que sejam de seu conhecimento e que visem elidir à tributação decorrente dos dispositivos desta Lei”.

A proposta é desastrosa sob diversos prismas.

De pronto, observa-se a pretensão de constranger prestadores de serviços a notificarem a Agência – inclusive sobre atividades lícitas desenvolvidas por seus clientes –, fornecendo meios para que o órgão crie mecanismos obstrutivos do desempenho daquelas liberdades.

Aliás, o vocábulo “liberdade” é central para se compreender adequadamente a gravidade da proposta, pois – a despeito de repetir o vetusto discurso sobre os malefícios sociais dos privilégios dos mais ricos, e assim, impingir um triste discurso populista – paradoxalmente a Emenda é clara ao reconhecer a licitude da criação de mecanismos de elisão fiscal pelos contribuintes.

Ora, sendo as atividades lícitas, com que legitimidade poderia o Parlamento tornar compulsória a informação sobre operações entabuladas pelos contribuintes, que, ainda por cima, no mais das vezes são protegidas por regramentos legais e contratuais de confidencialidade?Não seria essa medida claramente violadora dos princípios da liberdade, da livre-iniciativa e da autodeterminação?

No que diz especificamente aos advogados, a pretensão viola frontalmente prerrogativa desses profissionais de não serem constrangidos a depor sobre “sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional”, como assegura o art. 7º, XIX do Estatuto da Advocacia. Cabe ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil posicionar-se firmemente contra esse retrocesso.

O que a medida revela, nas entrelinhas, é a totalitária vontade de cercear ainda mais a liberdade dos empreendedores brasileiros, impondo-lhes mais ônus desproporcionais e antijurídicos, desta feita com a criação de órgão que, a rigor, representa um verdadeiro Grande Irmão Fiscal, que faz lembrar as mais perplexas passagensproporcionadas pelos “camaradas” da distopia 1984, de George Orwell, na qual o Estado tudo vê, tudo sabe e para o qual a privacidade é coisa de antigamente.

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