24 de abril de 2024
CoronavírusHistória

O SEGUNDO EXÍLIO

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Na reserva não remunerada da armada honorária, vinha emendando  um curso de pós-graduação no outro, quando foi forçado a se recolher ao seu labirinto.

As promessas aos amigos de escrever as memórias, adiada, desta vez,  não por falta de tempo, por acidente.

Atingido de novo no coração, por flecha perdida de cupido, nem na quarentena encontra o que fazer, a não ser conversar ao pé-do-ouvido,  sem substituto à altura para o velho e confiável telefone.

Fábrica de segredos, transformados em parábolas, charadas, confidências  e codinomes

Avesso às redes sociais, sem as conversas nas missas diárias (antes, durante e depois dos saudai-vos uns aos outros), proibido de visitar os netos e de encher os carrinhos dos supermercados de bons papos e reminiscências, enfrenta mais uma guerra que deixará além da vitória que é certa, muitas estórias pra contar.


(Publicação original em 28/07/2019)


O MARECHAL INVICTO

Nos anos de chumbo, faltou pólvora nos quartéis e as araras já estavam extintas no que restava da mata atlântica.

Só isso para explicar que no regime militar de exceção (ditadura, para as vítimas), não ocorreram mortes nem relatos críveis de pendurados em paus-de-ave psitaciforme, nestas terras, morros e lagoas que já foram de Rifólis.

É bem verdade que muitos foram retirados de circulação por uns tempos.                          Até por 49 dias, há relatos.

Ser levado ao QG para esclarecimentos a uma CGI ou mesmo responder a IPM a cargo de algum tenentinho, tinha lá seus mistérios e medos.  Mas também glamour, charme e prestígio.

Inacreditável é alguém ter ficado frustrado por não ter participado com protagonismo, daquele conturbado momento histórico.                    

E não ter sido levado aos tribunais de exceção, nem como reles testemunha.

Quando soube que  um dileto amigo e um primo-irmão estavam  trancafiados nas masmorras da repressão, ficou certo que seria o próximo a cair.

Estava preparado para o confinamento nas mesmas menagens dos quartéis.                                 E para ser servido, por taifeiros, com as rações do cassino de oficiais, recluso em aposentos reservados aos visitantes mais ilustres.

Preparou a maletinha básica com o pijama listrado, duas cuecas, escova, pasta kolynos e  sabonete eucalol.

Esperou onde poderia ser achado com mais facilidade, em endereço certo e bem sabido. Por vários dias. Em vão.                                             

Se tinha que sair, voltava logo e  perguntava se havia sido procurado. Ou se ao menos, algum jipe do exército passara pela rua.

Atingido indiretamente pelo AI-5,  com a cassação do seu guru político, partiu para o auto-exílio.

Acolhido como refugiado no Hilton Hotel Düsseldorf,  recebeu treinamento, fez carreira de cumim a garçom e jura ter servido a estrelas do brilho de Curt Jurgens e Grace Kelly.

Nas férias de verão, qual  uma arribaçã dos Dois Lajedos, migrava em direção sul.                                             

Para enfrentar os miuras  e todo o trabalho pesado na equipe de rescaldo em Las Ventas, a praça de touros mais famosa de Madri.

Com o milagre econômico, voltou ao patropi, antes da anistia desabrochar.

Entre outros empreendimentos, usando know how dos tempos de escriturário do BB,  inovou nas parcerias público-privadas, semeando hotéis do litoral ao sertão.

De riquíssima vida acadêmica, quase bacharel em direito, quase economista, quase administrador, quase turismólogo. Curso concluído, e pós-graduado, em História.                                   E como tem estórias pra contar!

A exigência da hierarquia militar,  da mesma ou patente superior para levar um oficial em cana, é a única explicação para sua não-prisão.

Nestes estuários do rio grande, nunca nasceu nem sentou praça, condestável tão engalanado quanto  ele.

Marechal Porpa.

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