27 de abril de 2024
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Cientistas criticam MEC por dar R$ 247 milhões a projeto de Nicolelis

Da Folha de São Paulo

O Ministério da Educação deve receber nos próximos dias um abaixo-assinado de cientistas contrários ao envio de R$ 247,6 milhões a um projeto idealizado pelo neurocientista Miguel Nicolelis.

A ação é encabeçada pelos professores Paulo Saldiva (USP) e José Antonio Rocha Gontijo (Unicamp). Eles são coordenadores de dois dos três grupos de ciências médicas da Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão subordinado ao ministério.

O envio do abaixo-assinado foi decidido na semana passada pelos participantes do Encontro Nacional de Pós-Graduação em Medicina, em Criciúma (SC). Os organizadores dizem que são mais de cem assinaturas, mas ainda não divulgaram a lista completa.

“Não temos nada contra Nicolelis, mas questionamos a destinação de um recurso dessa magnitude sem uma aparente avaliação de mérito, a qual todos nós nos submetemos”, afirma Gontijo.

O valor será destinado para a construção, até 2017, do Campus do Cérebro em Macaíba (RN), idealizado por Nicolelis. Por lá, deve haver pesquisas sobre reabilitação e outras aplicações da neurociência e cursos de pós-graduação, atividades já desenvolvidas pelo IINN (Instituto Internacional de Neurociência de Natal), fundado por ele.
“A destinação de recursos dessa monta a uma iniciativa pontual é extremamente grave e merecedora de esclarecimentos”, diz o documento.

“Tal precedente é visto como mais grave ainda por viver-se um momento em que há problemas de financiamento de projetos de pesquisa importantes no país.”

O apoio do MEC foi estabelecido em julho por meio de um contrato de gestão firmado com a UFRN e com o Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont, ao qual é ligado o IINN, cujo conselho de administração é presidido por Nicolelis. Tal iniciativa não necessita, segundo previsão legal, da abertura de um edital prévio para o recebimento de projetos.

O projeto já recebeu do MEC R$ 29,7 milhões do montante a ser desembolsado até julho de 2017. O ministério tem outros contratos semelhantes: esse valor corresponde a cerca de um quinto dos R$ 139,2 milhões onerados neste ano na rubrica “pesquisa e desenvolvimento nas organizações sociais”, segundo dados do governo federal.
A assessoria do IINN informou que o campus atrairá muitos profissionais nos projetos de educação, saúde e pesquisa –em 2017, serão 552.

Suzana Herculano-Houzel, professora de neurologia da UFRJ e colunista da Folha, disse não conhecer os aspectos jurídicos do caso, mas afirmou ser a princípio favorável à destinação da verba.

“O Brasil precisa desesperadamente de investimentos dessa magnitude, e não essa pulverização de recursos mantida pela política de agradar com migalhas o maior número possível de pesquisadores.”

PREVISTO EM LEI

O Ministério da Educação informou que a implantação do Campus do Cérebro é uma ação do IINN em parceria com a UFRN.

“As negociações para a celebração do contrato de gestão seguiram os trâmites legais; ele foi aprovado técnica e juridicamente pelos ministérios da Educação e do Planejamento”, afirmou em nota.

O modelo de contrato de gestão com organizações sociais, entidades sem fins lucrativos, está previsto em lei e é adotado desde 1998 pelos entes públicos para a prestação de certos serviços públicos.

A transferência de recursos é feita a partir da pactuação de metas e resultados. Não é preciso fazer licitação ou concorrência.

O ministério não informou metas e prazos previstos no contrato de Natal.