SILÊNCIO PRA CACHORRO

Durante a pandemia, teve quem usasse o ladro animal para amenizar os efeitos da crise econômica.
Em Maceió, um juiz mandou moradora de condomínio calar dois cães, e estipulou multa, por latido, de até 10 mil reais.
O abalo que trouxe aos cofres municipais o fechamento do maior parque temático do país, o Beto Carrero World, por si já seria um desastre tributário.
Penha, a capital nacional do marisco, com 32 mil habitantes, precisava manter seus serviços municipais funcionando.
Para não atingir diretamente o bolso do contribuinte, que em poucos meses iria ser também eleitor, a câmara de vereadores resolveu tungar o seu melhor amigo.
Em meio a tantas outras zuadas, de quiprocós, decibéis e paredões de som, um projeto de lei considerava infração grave “provocar, ou não impedir, barulho de animal”.
Muito claro que a norma legal proposta estava dirigida a uma determinada classe zoológica.
Não há costume nem tradição de se reclamar dos miados e do canto dos pássaros.
Os cinófilos foram os primeiros a perceber a seletividade auditiva e o direcionamento da lei em discussão.
Há uma única raça de cão conhecida por não latir.
No leste da África, os besenjis levam esta fama.
Dizem que era a favorita do enxaquecoso Quéops, o faraó que construiu a primeira pirâmide.
Apesar das dúvidas, se o uivo agudo, em falsete, que emitem em noites de lua, não seria considerado também, um latido.
A cordectomia, cirurgia para diminuir o som emitido pelo ar que passa pelas cordas vocais, vindo dos pulmões dos fiés companheiros, sofre reação das sociedades protetoras dos irracionais.
Um efeito colateral da norma legal, traria mais prejuízos para os cofres municipais.
O aumento do número de vítimas das dentadas caninas, relacionado ao vice-versa da máxima, cão que não ladra, morde.
Outras despesas não deixariam de aparecer.
Cargos a ser criados, consultorias, formação de técnicos em latidos e equipamentos a licitar, incluídos os decibelímetros para uso veterinário.
Com tanto edil monotemático abraçando a causa animal, a apelidada Lei Au-Au, não procriou em outras matilhas.
Agora, com as prefeituras na pindaíba pelos cortes dos repasses pelo governo comunista centralizador, a cachorrada pode virar matéria constitucional.
Quem sabe, uma cláusula pétrea…

(O texto, publicado em 29/08/20 com o título Silêncio Canino, sofreu alterações temporais)