28 de abril de 2024
CoronavírusFamilia

REENCONTROS PRESENTES

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O reencontro (2020) – Juan Lucena, pintor espanhol


Quando surgiram as vacinas, o grupo mais prioritário (e velho), passou a fazer  planos para quando a imunidade chegasse.

Onze entre dez avós, nas entrevistas-relâmpago de TV,  revelavam, entre desejos,  a mesma intenção.

O abraço dos netos era o que primeiro vinha às cabeças grisalhas quando perguntadas o que fariam depois que se livrassem dos grilhões do isolamento sócio-familiar.

Depois da  segunda dose, os mais precavidos ainda esperam o tempo estipulado para o reforço,  para a volta do convívio de antes, sem medo nem traumas.

No reencontro das gerações, uma tese elaborada na solidão da sociologia pandêmica, logo perdeu sustentação.

Entre avós e netos não havia espaço para o novo normal.

Nada seria diferente do que um dia foi.

Já estão de volta todas as prerrogativas e direitos bilaterais, incluídas sessões vespertinas de Netflix Kids, torneios de Brawl Stars e as rotineiras  prorrogações das visitas,  encerradas somente depois da engordante massa pan da Pizza Hut.

É hora também de se calcular e compensar as perdas de quem já não contava muito tempo restante.

Ao convívio interrompido, deverá ser  auditado, e acrescido o prazo que resta, cada vez mais curto, com término já avistado no horizonte, no poente da vida.

Que seja prevista e descontada também, a quase certa  chegada do implacável doutor alemão, o que torna a providência ainda mais premente.

Negociado, o reencontro assegurou aos nipotes o direito a compensações.

Ouvidos e detectados os prejuízos dos pequenos por faltas em datas promocionais do comércio, os nonnos reconheceram que havia  presentes em atraso.

Neste retorno, haverá  de se ter cuidado com o acerto na escolha do que pode surpreender o presenteado.

E evitar o ocorrido com o avô metido a gaiato, quando resolveu provocar, de mentirinha, às vésperas  do quarto aniversário do segundo neto (numerado com orgulho, como todos os avós fazem), com a promessa de  um pijama com desenho de carneirinhos, que só serviu para disparar de volta e de pronto, a ameaça fulminante:

Se fizer isso, nunca mais venho chupar  jabuticaba com você.

Ao vovô-bobão,  não restou outra alternativa  a não ser pesquisar se a Caixa Econômica financiava Castelos do Aquaman.

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Círculo do Bem (2020) – Juan Lucena retratou avós, vítimas da pandemia, partindo sem poder se despedir dos netos

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