FILHOS DE SOFIA
Com muito periquito pra duas gamelas só, não tem jeito. A farinha é pouca e meu pirão, primeiro.
Não poderia ser diferente se as poções vêm de tão longe e chegam medidas a conta-gotas, trazendo em seus mililitros, todas as esperanças do fim do flagelo que só aumenta.
A difícil operação de salvamento logo empacou quando se percebeu que o lençol era curto.
Quando cobria a cabeça dos europeus, descobria os pés norte-americanos.
Quem não cuidou de garantir agasalho, desdenhou do fabricante, pensou que era hora de escolher grife e que haveria fila de vendedores na porta do palácio, agora conta os trocados, guarda as migalhas e distribui sobras.
Com menos de dois por cento da população atendida, a vacinação no Brasil virou caso de ministério público.
As prioridades têm exigido um novo ramo do poder judiciário.
O Direito Imunológico.
Os que decidem quem vai ocupar os primeiros lugares na fila e condenam os tentados a furá-la, ainda não encontraram na prática, a fórmula da espera paciente e pacífica.
O risco do pau fez o machado mirar nos grupos de maior risco.
Profissionais da saúde e idosos.
Como diria o filósofo do Brejuí, ‘tudo é relativo, dentro da relatividade das coisas’.
Descobriu-se que há médicos e médicos; enfermeiros e enfermeiros; técnicos e técnicos; velhos e velhos.
Setentões, esqueçam o estatuto do idoso. Curtam a juventude estendida por decreto municipal e tomem seus lugares somente depois que a nonagésima quinta velinha for soprada.
Pessoal da bata branca, não lembre da recomendação, há oito meses, para os mais experientes deixarem a perigosa linha de tiro e se posicionarem na retaguarda.
Conselhos, deixem para a administradora do postinho, a prerrogativa de atestar quem está apto ao exercício da profissão.
Comuno-burocratas, considerem abominável que grandes empresas patrocinem a imunização dos seus empregados.
Mesmo que a inusitada benevolência repasse para o governo, o mesmo número de doses que vierem a usar.
Cientistas de birô, especialistas em leitura dinâmica de quilométricos relatórios, continuem exigindo demorados testes em vacinas com milhões de provas de eficácia e segurança.
Altíssimos dirigentes, sigam tomando suas decisões com um olho na reeleição e dois, no termômetro que mede os índices positivos dos institutos de pesquisa.
Atordoados, os desgarrados filhos da tragédia, sem rumo, seguem a multidão, sem líderes, esperando que um dia, sejam acolhidos e refugiados em lugar seguro.
E protegidos.
Até que venha a próxima onda.
Guernica – Pablo Picasso (1881-1973)
Tomel a primeira dose da vacina
no dia primeiro deste mês que já foi de carnaval, na cota da diretoria da Liganorteriograndense contra o Câncer.