2 de maio de 2024
Nota

É ISSO AÍ, COMPANHEIRO

A fama de guerrilheiro que nunca foi, reforçada pela licença poética no filme baseado na autobiografia, resistiu ao tempo e às explicações.

No final dos anos 60, o redator do Jornal do Brasil, preso pelo envolvimento com a luta armada e participação no sequestro do embaixador americano, era um pacato  porta voz (clandestino) dos movimentos que atuavam nas sombras e passavam a ideia que tinham mais força e poder de fogo que a história veio depois mostrar.

O empréstimo de uma casa, alugada em seu nome para sediar um jornal de esquerda,  foi batismo na clandestinidade e ticket para o  cárcere.

Sua prisão foi dramática. Em fuga, foi atingido pelas costas, por tiro que perfurou rim, estômago e fígado.

Poucos meses depois, moeda no brutal jogo ideológico, foi um dos quarenta libertados em troca da vida de outro embaixador sequestrado, o da Alemanha.

A Argélia foi só o primeiro destino e  escala que o levou até Estocolmo, onde passou a maior parte dos nove anos de exílio. Cursou Antropologia, trabalhou em jornal e foi motorneiro do metrô.

Com a anistia, voltou para contar sua história e retomar a vida.

Um banho de mar com minúscula sunga fez sucesso, escândalo e conhecido pelo povão, o magricela que falava uma língua estranha.

De aborto, casamento homoafetivo e liberalização da maconha.

De novo jornalista, agora escritor e mais uma vez na linha de frente da luta pela redemocratização.

Seus primeiros 38 anos viraram livro, ocupando os melhores  lugares nas listas dos mais vendidos, por muito tempo.

A volta da liberdade política o encontrou nos campos da esquerda e na defesa das causas mais avançadas e polêmicas.

Sempre com olhar autocrítico.

Antes do primeiro êxito eleitoral, sofreu sucessivos reveses em disputas de cargos no executivo, sendo o único brasileiro que pode incluir no currículo, derrotas que hoje mostram-se consagradoras.

Perdeu para o xará Collor de Melo,  a primeira eleição presidencial com voto direto, em 1989.

No Rio de Janeiro, para o governo estadual, disputou com Moreira Franco e Sérgio Cabral.

Para a prefeitura, chegou ao segundo turno contra Eduardo Paes.

A partir de 1994 e por quatro legislaturas seguidas, deputado federal com as maiores votações e melhores atuações.

A bem-sucedida carreira política não ofuscou a de repórter que sempre foi.

Ao voltar às redações mostrou intimidade com as novas tecnologias.

Na TV, em canal por assinatura, um Brasil nunca mostrado é percorrido por caminhos raramente desbravados.

A dura realidade exposta por quem continua procurando saídas para as desigualdades.

Ao completar, hoje, 80 anos, Fernando Gabeira faz planos para retomar o trabalho integral,  quando a pandemia deixar.

A pauta será extensa.

Que seja também longa, a vida, companheiro.


                   (Texto publicado em 17/2/21)

 

A volta do exílio (1979) – Foto de Rogério Reis para o Jornal do Brasil 

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