É ISSO AÍ, COMPANHEIRO
A fama de guerrilheiro que nunca foi, reforçada pela licença poética no filme baseado na autobiografia, resistiu ao tempo e às explicações.
No final dos anos 60, o redator do Jornal do Brasil, preso pelo envolvimento com a luta armada e participação no sequestro do embaixador americano, era um pacato porta voz (clandestino) dos movimentos que atuavam nas sombras e passavam a ideia que tinham mais força e poder de fogo que a história veio depois mostrar.
O empréstimo de uma casa, alugada em seu nome para sediar um jornal de esquerda, foi batismo na clandestinidade e ticket para o cárcere.
Sua prisão foi dramática. Em fuga, foi atingido pelas costas, por tiro que perfurou rim, estômago e fígado.
Poucos meses depois, moeda no brutal jogo ideológico, foi um dos quarenta libertados em troca da vida de outro embaixador sequestrado, o da Alemanha.
A Argélia foi só o primeiro destino e escala que o levou até Estocolmo, onde passou a maior parte dos nove anos de exílio. Cursou Antropologia, trabalhou em jornal e foi motorneiro do metrô.
Com a anistia, voltou para contar sua história e retomar a vida.
Um banho de mar com minúscula sunga fez sucesso, escândalo e conhecido pelo povão, o magricela que falava uma língua estranha.
De aborto, casamento homoafetivo e liberalização da maconha.
De novo jornalista, agora escritor e mais uma vez na linha de frente da luta pela redemocratização.
Seus primeiros 38 anos viraram livro, ocupando os melhores lugares nas listas dos mais vendidos, por muito tempo.
A volta da liberdade política o encontrou nos campos da esquerda e na defesa das causas mais avançadas e polêmicas.
Sempre com olhar autocrítico.
Antes do primeiro êxito eleitoral, sofreu sucessivos reveses em disputas de cargos no executivo, sendo o único brasileiro que pode incluir no currículo, derrotas que hoje mostram-se consagradoras.
Perdeu para o xará Collor de Melo, a primeira eleição presidencial com voto direto, em 1989.
No Rio de Janeiro, para o governo estadual, disputou com Moreira Franco e Sérgio Cabral.
Para a prefeitura, chegou ao segundo turno contra Eduardo Paes.
A partir de 1994 e por quatro legislaturas seguidas, deputado federal com as maiores votações e melhores atuações.
A bem-sucedida carreira política não ofuscou a de repórter que sempre foi.
Ao voltar às redações mostrou intimidade com as novas tecnologias.
Na TV, em canal por assinatura, um Brasil nunca mostrado é percorrido por caminhos raramente desbravados.
A dura realidade exposta por quem continua procurando saídas para as desigualdades.
Ao completar, hoje, 80 anos, Fernando Gabeira faz planos para retomar o trabalho integral, quando a pandemia deixar.
A pauta será extensa.
Que seja também longa, a vida, companheiro.
(Texto publicado em 17/2/21)