6 de maio de 2024
MemóriaPolítica

A PAIXÃO VESTE VERDE

Coruja-buraqueira brasileira (2015) – Charles J. Sharp, fotografo britânico de vida selvagem


Com 32 partidos políticos, é impossível que cada um  tenha a própria cor para identificar seus militantes e apoiadores.

Acostumados a dar nó em pingo d’água, os candidatos vão às minúcias dos tons e nuances da paleta para se mostrarem diferentes dos concorrentes.

Não há como fugir da lembrança  de estórias que recordam o grupo político que há mais de  60 anos se unia em torno de uma bandeira e um líder carismático.

É dele, o rótulo mais longevo da política potiguar.

Começou como xingamento, termo pejorativo, de censura aos que teriam se aproveitado do empreguismo para angariar votos.

O principal alvo das críticas, feiticeiro que diziam ser, sabia a fórmula de transformar ofensas em símbolos identitários.

O que era para ser vergonha, virava, semelhança, ufanismo e orgulho.

Tinha o dom  de valorizar as pessoas, e transformá-las em militantes das suas  causas.

A gentinha menosprezada, por artes do cigano nômade, virou aliada e fanática.

Fiel a vida toda.

Mesmo quem não conseguiu o sonho da nomeação na última viagem do trem da alegria madrugador, passou a ser também ave de hábitos noturnos.

A espécie evoluiu.

Fez cruzamentos, aliou-se a outras, sempre no instinto de preservação e sobrevivência.

Não se sabe, se por efeito ainda desconhecido de alguma mutação causada pela pandemia, porque a passarada já não segue no mesmo rumo.

Mas um bom ornitólogo conhece um falso strigiforme, de longe. Pelo piado.

Habitat natural, a bacia hidrográfica do Bujari-Curimataú já abrigou tipos mais autênticos e insólitos.

Originária da serra de Araruna, descida em busca de novos saberes, com o apoio de familiares, conseguiu realizar seus sonhos na cidade cosmopolita.

Professora querida, constituiu família e ajudou a formar crianças, jovens e a ala-moça pra animar os comícios.

A cada eleição, a cor predileta e única, já presente em todos os vestidos e em todas as peças, incluídas as mais íntimas, viçava mais ainda, como o mato no inverno, na bandeira hasteada  na cumeeira da casa, o ano todo, no oitão da igreja-matriz.

A paixão era tanta que fazia questão de dizer (e mostrar) que até sua urina era da pigmentação do seu partido.

Sem nunca esquecer de tomar a dose diária do antisséptico urinário para cistite, Terezinha Batista foi a mais autêntica bacurau de todas.

Cartaz para o filme Bacurau (2019) – Clara Moreira, artista visual e desenhista, nascida no Recife em 1984

(Parte deste texto foi publicada em 16/09/2020)

 

 

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