3 de maio de 2024
ArteVernissage

As palavras do Curador Manoel Onofre Neto sobre a Exposição de Ângela Almeida & Selma Bezerra

O hotspot da semana, que acontece no sábado, dia 06, a partir das 10h00, na Pinacoteca Potiguar, é a vernissage da Exposição “Moderno… Pra Contemplação dos Olhos de Hoje”, das artistas visuais Selma Bezerra e Ângela Almeida.

E, não bastando as artistas serem duas pessoas de alto padrão, por serem queridas, gente como a gente, educadas, letradas e cultas, a curadoria está a cargo de outro com idem padrão, o também querido Manoel Onofre Neto, que concilia sua atuação na Promotoria da Infância e Juventude, com sua paixão pela arte.

E, para abrir a semana, Onofre nos presenteia com um belo texto curatorial da exposição, onde imprime sua sensibilidade e seu olhar aguçado sobre a arte modernista, pontuando sua transversalidade com a literatura e cultura potiguar, além de nos deixar mais curiosos sobre a arte de Ângela e Selma que nos aguarda no sábado…

De Ângela, seus bordados cheios de histórias, seus vaqueiros e seu verdadeiro eu.

De Selma, seus sertões lindos, verdes e encantadores, com todas as suas referência tarsilianas.

Vale à pena a leitura. Abaixo.

Moderno… pra contemplação dos olhos de hoje.

Numa estratégica apropriação do título de um poema do modernista potiguar Jorge Fernandes, “Moderno…” (com reticências), procura-se traduzir a diversidade e pluralidade que foi o movimento modernista brasileiro. As variadas representações pictóricas, produções literárias e arquitetônicas sob a batuta da estética modernista em nosso país fazem desbordar a festejada centralidade da Semana de Arte Moderna de 22.

No Rio Grande do Norte, já nos anos 20, Erasmo Xavier estampava e imprimia sua arte modernista, sequenciado, no fim da década de 1940, por Newton Navarro, Dorian Gray e Ivon Rodrigues, que sedimentaram o Modernismo em nosso estado, no campo das artes visuais.

Na literatura, também nos anos 20, Jorge Fernandes rompia com a métrica e a rima parnasianas, sendo festejado por Mário de Andrade e Câmara Cascudo, igualmente modernistas de primeira hora. Na seleção ainda cabem José Bezerra Gomes, Oswaldo Lamartine e Zila Mamede.
Essa plêiade de artistas visuais e da literatura potiguar modernista, ou que flerta com o modernismo, é homenageada por Selma Bezerra e Ângela Almeida, pra contemplação dos olhos de hoje.

Ângela Almeida

Profusa e exuberante, Ângela Almeida passeia por diferentes suportes, técnicas e paletas, quase sempre saturadas, com texturas e representações simbólicas intrincadas. Sua criação, contemporânea e com remanescência modernista, é concebida em três atos:

Em “Paisagens Originárias – Bordados”, a artista toma duas palavras e seus vários sentidos, paisagem como uma experiência de construção por meio do desenho de algo a partir do seu entorno (livros/palavras) e o termo originária, referindo-se ao bordado como técnica milenar e de origem.
Os bordados sugerem lampejos de paisagens subjetivas em linhas que podem se mostrar desfeitas, frágeis, mal acabadas, com rupturas e com o cheiro forte do tecido de algodão cru que acolhe poemas de modernistas potiguares.

“Vaqueiros em Flores” surge como um pensamento plástico que busca refletir sobre a mitificação do macho, trazendo o homem que pode acolher ambiguidades, contradições, gêneros, desejos e até flores.

“Eu como somos” é inspirado na fala de Clarice Lispector ( 1920 – 1977): “Com perdão da palavra, sou um mistério para mim”… Simples assim! Moderno… pra contemplação dos olhos de hoje.

Selma Bezerra

No influxo das comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 22, Selma Bezerra mergulhou na obra de Tarsila do Amaral (1886-1973) e, a partir dela, apropriando-se de referências estéticas da fase pau-brasil da artista, concebeu a série “Tarsilianas”, em que apresenta, de forma elegante e com forte apelo poético, um sertão solar, verdejante e florido, como registrado magistralmente no poema modernista “Não gosto de sertão verde”, de Câmara Cascudo.

Não gosto de sertão verde,
Sertão de violeiro e de açude cheio,
Sertão de rio descendo
l
e
n
t
o
largo, limpo,
Sertão de sambas na latada,
harmônio, bailes e algodão,
Sertão de canjica e de fogueira
– Capelinha de Melão é de São João,
Sertão de poço de ingazeira
onde a piranha rosna feito cachorro
e a tainha sombreia de negro n’água quieta,
onde as moças se despem
d
e
v
a
g
a
r
Prefiro o sertão vermelho, bruto, bravo,
com o couro da terra furado pelos serrotes
hirtos, altos, secos, híspidos
e a terra é cinza poalhando um sol de cobre
e uma luz oleosa e mole
e
s
c
o
r
r
e
como óleo amarelo de lâmpada de igreja.

(Câmara Cascudo)

Selma explora as possibilidades estéticas de um sertão pouco revelado, ancorando sua criação em produções literárias dos nossos primeiros modernistas, igualmente homenageados na obra de Ângela Almeida, traduzindo-se em uma rara experiência, ao mesmo tempo pictórica e literária, pra contemplação dos olhos de hoje, como proclamado na poesia de Jorge Fernandes.

Manoel Onofre Neto
Curador

Anotem: sábado, a partir das 10h00, na Pinacoteca Potiguar.

Anotem mais… vai ser uma vernissage como poucas Natal já viveu… promete reunir muuita gente ótima!

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