BOCAS FECHADAS
Alguns serviços entram em nossas vidas, tornam-se tão necessários e essenciais que deixam uma pergunta no ar:
Se havia vida inteligente antes do Ministro Luiz Marinho.
É fácil lembrar como se pedia um táxi.
Sabia-se onde era o ponto mais próximo, o número do telefone na memória, não do smartphone, do lóbulo pré-frontal do próprio cérebro, e até o nome do motorista de confiança.
O Über chegou revolucionando os costumes e dando oportunidades de trabalho a pessoas de profissões mais imprevisíveis.
No começo, as viagens com muitas conversas e as histórias de vida dos chauffers, interessavam.
Recontadas, como uma revelação que a crise econômica perene não tinha indicador de intensidade mais preciso.
De um ex-gerente de banco, um professor ou um engenheiro fazendo trabalho duro, sem nenhum glamour, quem não iria querer saber?
Como os relatos não fugiam muito do script, o assunto repetitivo foi sendo rebaixado à categoria dos chatos.
Nas corridas, o prestador do serviço e seu utente, constrangidos, não sabem mais se devem puxar conversa,com todas as informações disponíveis na ponta do dedo, on-line, no celular.
Ruas de trânsito mais intenso (carregado, no vocabulário da moça do noticiário da TV), melhor rota, preço e até gorjeta.
Sem precisar dizer palavra alguma, a não ser o obrigado final. De parte dos mais urbanos.
Ao chamar o transportador autônomo, o freguês opta e avisa antes do embarque.
Com, sem ou conversas apenas sobre o estritamente necessário.
Em algumas atividades, a capacidade de falar sobre qualquer e mais alguma coisa, pelos cotovelos, viraram requisitos que despertavam aptidões profissionais.
Dom de quem nasceu para o ofício, a loquacidade dos taxistas era vista também como confiável pesquisa de tendência eleitoral.
Um engraxate que não entendesse de tudo e mais um pouco, não lustraria muitos sapatos.
Se bem que o da calçada do Chase Manhattan Bank tenha deixado Mr. Rockfeller com um bug atrás da orelha, quando foi perguntado em que ações deveria aplicar suas poupanças.
A conversa acabou em crack da bolsa e ditou a moda das botinas enlameadas.
O Dr. Getúlio de Oliveira Sales, vetusto professor de Patologia, homem de poucas palavras e imenso patrimônio cultural, escolheu seu barbeiro não só pela habilidade com tesouras e navalhas, encontrou quem apertasse a tecla mudo tão logo o freguês aboletava-se na cadeira.
Naquele dia, por motivo superior, seria atendido por outro fígaro.
Para não decepcionar o cliente, e a falta do titular não fosse notada, esmerou-se nos requififes.
Os cuidados com a colocação do avental e toda a proteção contra os irritantes pelos cortados, foram além do habitual e do tempo esperado.
Quando tudo estava pronto para o início da operação, antes da poda, a pergunta que seria a primeira e única de um abortado longo diálogo.
– Como o senhor deseja o corte?
– Calado.
(Publicado em 16/03/20, o texto foi lembrado quando o presidente Lula declarou que iria “encher o saco do iFood”)