6 de maio de 2024
Política

CARTA AO MELHOR PRESIDENTE DO BRASIL

Otoniel Fernandes

Houve o tempo das missivas e dos portadores. Toda comunicação,  por bilhetes e cartas. Envelopes, selos e carimbos.

Assuntos urgentes, de vida e morte, mereciam telegramas. Sempre para felicitações, parabéns ou pêsames. Se possível, em menos de  140 caracteres.

O chefe da delegação potiguar ao Encontro de Estudantes de Medicina na serrana Petrópolis, ao recorrer ao paitrocínio,  foi comunicado que teria a incumbência de entregar, pessoalmente, uma carta a um amigo na Rua da Alfândega, na capital.

Às vésperas da viagem (em ônibus fretado pela universidade), o improvável e inesperado destinatário.

O ex-presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira.

Ponderações de falta de tempo, excesso de atividades, responsabilidades com a delegação, destino final em outra cidade. Qualquer desculpa para evitar o mico.

Debalde.

Encomenda aceita, ou viagem mais franciscana ainda, com risco até de não autorizada.

O conteúdo epistolar nunca foi revelado mas pela resposta, devia tratar da apresentação do filho que quando colasse grau em mais dois anos precisaria de contatos no Rio de Janeiro

Em tempo de ditadura, ainda que começando a afrouxar com o quarto dos cinco generais, e líderes de volta do exílio , estavam longe os plenos direitos políticos.

Anistia nem ampla, nem geral nem irrestrita. Pelo contrário,lenta e gradual.

Dúvidas da ajuda para um futuro estágio ou residência médica por alguém que estava no avesso do poder.

Quem tinha o nome proibido de aparecer em jornais e noticiários de rádio e TV. Com uma única exceção, quando da trágica morte em 1976.

A namorada e a sine qua non prima e vela, iguais participantes do encontro,  foram solidárias na missão paternal. Desceram a serra. Mas não subiram o elevador que levava ao escritório no banco de investimento do ex-primeiro genro.

Quem mereceria alguma pancada era o portador que já ensaiava o que dizer ao homem mais importante que iria conhecer na vida.

Um misto de decepção e alívio quando a classuda secretária  de blusa de seda pura e perfume Ma Griffe  (ou similar) informou que o destinatário não se encontrava naquele local.

Sugeriu o agendamento de um encontro já para o dia seguinte.

Desnecessário qualquer novo compromisso.

A missão já havia sido  considerada completamente cumprida.

Que a missiva fora entregue, a prova foi apresentada pelo carteiro de Nova Cruz, alguns dias depois. E mostrada a Deus, ao mundo e a todos os raimundos .

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Alguns meses depois os votos enviados pelo correligionário para êxito na eleição para a Academia Brasileira de Letras não evitaram a única derrota nas urnas.                                              

Faltaram seis medrosos sufrágios.

O presidente da academia convidou o ex-presidente da república para um almoço e tentou explicar o que ocorrera. JK não deixou.

        Sou entendido em matéria de eleições. Quando se perde, não se deve perguntar por quê”.

A Academia pleiteava financiamento para construir um edifício ao lado de sua sede, em terreno doado pelo imortal derrotado.

Se ele fosse eleito, o apoio do governo militar não sairia.

Já não se fazem presidentes elegantes como antigamente.

Otoniel Fernandes Neto, 58 anos, é escritor e pintor, nascido em Fortaleza, Ceará e radicado em Brasília


(Publicado em 19/10/2019, o texto volta hoje para lembrar que já tivemos Presidente da República como nunca antes – nem depois – neste país)

 

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