CENAS DE UMA PANDEMIA
Não haverá uma crônica.
Não por falta de assunto ou interesse.
Por falta de espaço.
Os fatos que se sucedem e se reproduzem em todos os países, haverão de ser contados em séries de muitas temporadas.
Para serem assistidas daqui a muitos anos, pelos confinados em quarentenas futuras. Em ritmo de maratona.
Por obrigação e verossimilhança, começará em um plano geral, na China. No lugar da Grande Muralha ou da Praça da Paz Celestial, os aranha-céus envidraçados, as luzes e as muitas pistas e viadutos de Wuhan.
Um break congelado no mercado, o burburinho das pessoas em compras e close nas barracas que vendem animais vivos. Cobras, lagartos e morcegos. A imagem final do episódio, um pangolim. Que vira sopa.
Contraste com Genebra, a calma à beira do lago, os picos nevados dos Alpes ao fundo e a mistura de pessoas, de todas as raças, em trabalho tranquilo no prédio de linhas modernas da Organização Mundial da Saúde.
Em imagens de gravações reais, o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmando com a convição de categórico sabe-tudo que a virose era sazonal, restrita a uma região da Ásia e sem chances de transmissão interpessoal.
Daí pra frente uma sequência de mapas de países, caindo um após o outro, como cartas de baralho.
Na Itália, ao norte, nomes de várias cidades e destaque para Milano non se ferma. Movimento frenético de ambulâncias, sons de sirenes, pacientes entrando nos hospitais. Médicos e enfermeiros em atividade incessante.
Corte para uma rua vazia e na janela, um cartaz com letra infantil, Andrà tutto bene.
Pousos e decolagens em profusão, cenas do cotidiano em Nova Iorque. Entrevista coletiva nos jardins da Casa Branca, uma pergunta da jovem repórter, sem som, fácil leitura labial e uma das muitas respostas que o Presidente Trump deu sobre uma certa gripezinha. Cabe um carimbo batendo na cena, enchendo a tela: FAKENEWS.
Batucada, repiques de surdos e o ronco da cuíca que vai virando choro.
Carnaval, ruas vestidas de quarta-feira de cinzas, lixo de festa espalhado e o abre e fecha de portas de pronto-socorro. Pessoas aflitas.
Tudo igual à China, Coreia, Irã, Itália, Espanha, França, México, Suécia, Estados Unidos.
Povo nas ruas. Manifestantes de verde, amarelo e preto. Ônibus lotados, camelôs, baile funk.
Na entrada do Alvorada, entrevista tumultuada, pergunta de outra jovem repórter. Tudo igual e repetido.
A diferença na resposta ríspida, com áudio e legenda destorcidas, de palavrão.
O Presidente cumprimenta, toca nas pessoas, posa para selfies. Algumas com máscaras.
Ele não!
[As cenas dos próximos episódios ainda estão sendo gravadas]