DE VOLTA À ESTAÇÃO POTENGI
Ambientes de inflação alta e crise econômica nunca dependeram das viroses sazonais, por mais pandêmicas tenham sido
Há trinta anos, o mercado dos planos de saúde acompanhava a cambaleante economia, com vendas em baixa, quase nulas, refletidas na perda de usuários.
Naquele cenário quase desolador, o gerente de vendas da cooperativa de trabalhos médicos trazia notícia pra lá de auspiciosa.
Estava trabalhando um contrato que prometia, de início, mil novas vidas, e a perspectiva de mais que dobrar o número, em curto tempo.
Havia até marcado um almoço para o próprio CEO da empresa contratante apresentar os detalhes do promissor negócio.
No restaurante, o doublé de médico e executivo é apresentado a um advogado, renomado, representante local do grupo.
O convidado especial não demorou a chegar.
Jovem, não devia ter quarenta anos.
De terno bem cortado e todos os acessórios da moda.
Da caneta Mont Blanc à pasta Victor Hugo, passando pelo relógio Cartier.
De origem potiguar, radicado no Sul, havia se associado a um grupo finlandês para explorar, na região do Potengi, em propriedade da família, um minério até então desconhecido por quem nunca garimpou nem pirita, e que só existia aqui em nossas ribeiras, e no país escandinavo.
A produção desta espécie de kryptonita, empregaria muita mão de obra e os nórdicos estavam exigindo condições de trabalho de primo mondo, incluída assistência médica de qualidade.
Pra começar, ambulatório e urgência 24 horas. No futuro próximo, um hospital de verdade.
A viagem quase atola na maionese, com a apresentação dos planos empresariais e como nosso estado seria outro, a partir do novo empreendimento.
No cafezinho, o pequeno rio grande já era um gigante econômico do tope dos Emirados Árabes.
O tempo passou e aquele encontro nada produziu, a não ser o prejuízo da conta do restaurante.
Poucos meses depois, na página policial do finado Diário de Natal, com direito a foto, a notícia da prisão do empresário.
Com folha corrida recheada com um golpe aplicado no Presidente Collor.
Como os recursos demoraram a chegar da Finlândia, afogado em dívidas e despesas pagas em adiantamento dos honorários, não restou outra solução ao jurisconsulto e principal assessor, se não, a denúncia às competentes autoridades policiais, pela prática (glamurosa) de atos puníveis pelo artigo 171 do Código Penal.
(Reconto de texto publicado em 26/04/2019)