27 de abril de 2024
ComportamentoMemória

TRABALHO EM SILÊNCIO

O Barbeiro (1880) – Nikolaos Gysis – Coleção particular

Alguns serviços entram em nossas vidas, tornam-se tão necessários e essenciais que deixam uma pergunta no ar: se havia vida inteligente antes deles.

Há sete anos, antes que o Presidente Temer assumisse constitucionalmente o poder, é fácil lembrar como se pedia um táxi.

Sabia-se onde era o  ponto mais próximo, o número do telefone na memória (do  lóbulo pré-frontal do próprio cérebro) e até o nome do  motorista de confiança.

O Über chegou revolucionando os costumes e dando oportunidades de trabalho a pessoas de profissões mais imprevisíveis.

No começo, as viagens com muitas conversas e as histórias de vida dos chauffers, interessavam.

Recontadas,  com uma sensação que a crise permanente não tinha indicador de intensidade mais preciso.

Um ex-gerente de banco, um professor ou um engenheiro fazendo trabalho duro, sem nenhum glamour, interessavam.

Como os relatos não fugiam do script, o assunto repetitivo foi rebaixado à categoria dos chatos.

Agora, não precisa dizer palavra alguma, a não ser o obrigado final.

Ao se chamar o transportador autônomo, três perguntas on-line definem como será o deslocamento.                   

Com, sem ou conversas apenas sobre o estritamente necessário.

Em algumas atividades, a capacidade de falar sobre qualquer e mais alguma coisa,  pelos cotovelos, viraram requisitos que indicavam aptidão profissional. Dom de quem nasceu para o ofício.

Um engraxate que não entendesse de tudo e mais um pouco, não lustraria muitos sapatos.

Se bem que o da calçada do Chase Manhattan Bank tenha deixado Mr. Rockfeller com um bug atrás da orelha quando foi perguntado em que ações  deveria aplicar suas poupanças.                       

A conversa acabou em crack da bolsa e ditou a moda das botinas enlameadas.

O vetusto professor de Patologia, homem de poucas palavras e imenso patrimônio cultural, escolheu seu barbeiro  não só pela habilidade com tesouras e navalhas. Precisava ser alguém que auto-acionasse a tecla mudo tão logo  ocupada a cadeira.

Naquele dia, por motivo superior, seria atendido por outro fígaro.

Para não decepcionar  o cliente e a falta do titular não fosse notada, o substituto esmerou-se nos requififes.

Os cuidados com a colocação do avental e toda a proteção contra os irritantes pelos cortados, foram além do habitual e do tempo esperado.

Quando tudo estava pronto para o início da operação, antes da poda, a pergunta que seria a primeira e única de um abortado longo diálogo.

Como o senhor deseja o corte?

-Calado.

O Noivado dos Filhos (1877) – Nikolaos Gysis – Galeria Nacional de Arte, Atenas, Grécia

(Publicação original em 23/03/2021)

 

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