TRABALHO EM SILÊNCIO
Alguns serviços entram em nossas vidas, tornam-se tão necessários e essenciais que deixam uma pergunta no ar: se havia vida inteligente antes deles.
Há sete anos, antes que o Presidente Temer assumisse constitucionalmente o poder, é fácil lembrar como se pedia um táxi.
Sabia-se onde era o ponto mais próximo, o número do telefone na memória (do lóbulo pré-frontal do próprio cérebro) e até o nome do motorista de confiança.
O Über chegou revolucionando os costumes e dando oportunidades de trabalho a pessoas de profissões mais imprevisíveis.
No começo, as viagens com muitas conversas e as histórias de vida dos chauffers, interessavam.
Recontadas, com uma sensação que a crise permanente não tinha indicador de intensidade mais preciso.
Um ex-gerente de banco, um professor ou um engenheiro fazendo trabalho duro, sem nenhum glamour, interessavam.
Como os relatos não fugiam do script, o assunto repetitivo foi rebaixado à categoria dos chatos.
Agora, não precisa dizer palavra alguma, a não ser o obrigado final.
Ao se chamar o transportador autônomo, três perguntas on-line definem como será o deslocamento.
Com, sem ou conversas apenas sobre o estritamente necessário.
Em algumas atividades, a capacidade de falar sobre qualquer e mais alguma coisa, pelos cotovelos, viraram requisitos que indicavam aptidão profissional. Dom de quem nasceu para o ofício.
Um engraxate que não entendesse de tudo e mais um pouco, não lustraria muitos sapatos.
Se bem que o da calçada do Chase Manhattan Bank tenha deixado Mr. Rockfeller com um bug atrás da orelha quando foi perguntado em que ações deveria aplicar suas poupanças.
A conversa acabou em crack da bolsa e ditou a moda das botinas enlameadas.
O vetusto professor de Patologia, homem de poucas palavras e imenso patrimônio cultural, escolheu seu barbeiro não só pela habilidade com tesouras e navalhas. Precisava ser alguém que auto-acionasse a tecla mudo tão logo ocupada a cadeira.
Naquele dia, por motivo superior, seria atendido por outro fígaro.
Para não decepcionar o cliente e a falta do titular não fosse notada, o substituto esmerou-se nos requififes.
Os cuidados com a colocação do avental e toda a proteção contra os irritantes pelos cortados, foram além do habitual e do tempo esperado.
Quando tudo estava pronto para o início da operação, antes da poda, a pergunta que seria a primeira e única de um abortado longo diálogo.
–Como o senhor deseja o corte?
-Calado.
(Publicação original em 23/03/2021)