28 de abril de 2024
Memória

DE VOLTA AO BILHAR DA INFÂNCIA

Café à Noite na Praça Lamartine (1888) – Vincent van Gogh – Galeria de Arte da Universidade de Yale


Há três anos, lembranças de um menino, já sob proteção do
Estatuto do Idoso, foram trazidas a este território sempre cheio de saudades, para voltar alguns dias depois, como notas de correção.

O guardião da fidedignidade dos ocorridos, versões e  lendas na querida nesga do Rio Grande do Norte, pedaço feliz das nossas recordações, notou as inconsistências, anotou as falhas e motivou outro texto.

A Leonardo Arruda Câmara, que hoje comemora jubileu de brilhante, na repetição dos textos, as homenagens do irmão que cobra mais uma vez sua dívida com os conterrâneos:

A  publicação das Memórias de Bimbo.


1. A SINUCA DE BICO

Numa das principais ruas da cidade, brilhava o salão de bilhar.

O Sinuca.                                    

De reputação ilibada. Pero, no mucho.                              Fama de portal para os vícios básicos.                            Calçada nunca jamais pisada pelas moças direitas e donzelas da cidade.

Frequentado por aficcionados do esporte e profissionais especializados (com ajuda de tapias) em ficar com o dinheiro da feira dos matutos.

Partidas quase sempre  disputadas à vera (apostas casadas, na caçapa e no dinheiro), bebidas, muita fumaça de cigarro e algumas brigas, faziam o ambiente um tanto noir, exclusivo para adultos.

Pregado na entrada, o aviso do Juizado de Menores. Acesso permitido somente aos maiores de 16 anos.

O Seu Zizi, o proprietário, sem querer saber de problemas com a Justiça, cumpria a determinação mais ou menos à risca.

Menos, quando o movimento estava fraco e os pirralhos teimavam em assistir aos embates do pano verde.

Qualquer descuido e lá estava um de menor, passando o giz no taco. E encaçapando a bola da vez.

Numa dessas ocasiões, flagrada a desobediência, o oficial de justiça  só não lavrou o auto de infração porque foi dada uma justificativa mais que plausível:

– Menino com dinheiro no bolso já é rapazinho.

 

2. A BOLA DA VEZ

-Conte a estória direito!

Ordem de irmão é como decisão judicial.                         É pra ser cumprida.

Obediente, passo a ajustar o que foi publicado em Sinuca de Bico, e  não recebeu o selo  de autenticidade do mano Leonardo.

Como o redator não tem  o menor cacoete pra  historiador nem biógrafo, tudo que escreve não tem a obrigação de ser comprovado nem checado. Muito menos de ser fiel a fatos e datas.                           

Apátridas e atemporais, os mesmos causos se reproduzem por todo canto, apenas mudam um ou outro detalhe. E os nomes dos personagens.

A correição começa pelo pequeno gran finale:

A frase correta é : “Menino com calça comprida e dinheiro no bolso, é rapazinho.

foi dito onde a grana estava, mas o tamanho da roupa, errado.                                          

No tempo das calças curtas, ninguém usava bermudas.

Até a gerência efetiva do salão de bilhar foi esclarecida:

“O Seu Zizi era uma figura decorativa. Todo o controle e gerenciamento do bar era do filho Helano (com H mudo).  Era um grande contador de estórias da cidade e de Bananeiras, onde nasceu.”

O leitmotiv  já entra no capítulo das informações adicionais. Não foi relatado. Ainda que  o modo condicional do verbo deixe margem para alguma dúvida:

“A frase teria sido dita pelo MM Juiz de Direito da comarca, Dr. Joaquim Amorim das Virgens Neto, responsável pela proibição. Ao ser indagado por que seu filho Jobel,  hoje advogado em Natal, mesmo não tendo  completado a idade mínima, era assíduo jogador de snooker, no Bar Continental, na Travessa Cel. Anisio de Carvalho (Beco do Peixe), local da grande feira livre.”

O comprimento das calças do filho do magistrado e o entendimento havido, impediram que os Oficiais de Justiça, Joquinha e Manoel Bagre, cumprissem a determinação.”

E não se falou em legislação em causa própria.                 Que ninguém era besta em Nova Cruz.

A Casa Amarela (1888) – Vincent van Gogh – Museu Van Gogh, Amsterdã, Países Baixos

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